quinta-feira, 23 de agosto de 2012

À tua caveira, Villon!


Para o início desta subversiva cançoneta
Enchi o salão com centenas de deploráveis figuras
Ordenei então o tilintar das taças e a mudança de posturas
Posto que vossa alcova é tão fútil quanto o girar da maçaneta

Sob os tetos abobadados impregnados do fumo e do bom vinho
Escutai atentamente o entoar infame que prossegue em vossos crânios
O alento fresco do desespero a sentar nas pálpebras orvalhadas dos gerânios
Edifica a solenidade daquela taciturna noite e eis que um nome eu vos sublinho:

Villon e seus enforcados... O primeiro maldito!
Mas vos pouparei da macilenta dramaturgia, não há surpresas afinal
Somente o espanto causado por tamanha sensibilidade na rima medieval
Do gênio que assumiu a forma marginal e odienta que vos digo!

O Deus da loucura será reverenciado, afundando suas garras
Ensanguentadas em vosso coração que emite um grito sem terror
Enquanto soluça as poucas memórias boas, como todo bom aliciador
Depositando todo o rancor e as coisas ruins em pequenas jarras

Para o sacrifício onde a pureza será rejeitada em nome do sagrado alimento
Na única gota de sangue a escorrer do dedo perfurado
Como a lágrima que se despreende do olho cobiçado
Os sussurros só serão apreciados se acompanhados do tormento

Que vos prende devidamente com promessas e lábios quentes
Deturpando o bom senso que um dia houve de ser ajuda
E hoje, figura como um empecilho aos desejos languentes

Alimento este, que se faz ainda necessário
Para as poucas almas que dela tiram sua existência
Seletas almas, que se abstém de seus calvários

Pois ao se perderem, encontram-se
Em paradoxal eternidade
Em nuances do vórtex onírico fazem-se
Imorais imortais, maculados e iluminados

Que queixam-se de flutuar ainda presentes no mundo
Queixam-se de serem pinceladas bruscas em nuances claras
De quadros compostos de artérias retalhadas por cimitarras
E seus olhos são somente ouvidos pelo silêncio mais fundo

Ah Villon... também lamento os tempos idos
Mas não empedeço pelas moças dos corações partidos
Aquelas para as quais todo amor é temeroso
E por sequência todo arrependimento se mostra insidioso

Mesmo que a sua figura não me inspire a descer ao mais baixo
Me concede o entendimento das mentiras do frio lago do esquecimento
Embora a visão de corpos azuis apodrecendo

Seja pesada demais para a minha débil resistência
Eu compreendo a beleza que há nessa queda inevitável
No entanto, a combustão das pétalas destas asas é imutável
Exatamente como a árvore que começa a ressecar pelo alto, segundo minha ciência

Configurando uma desfolhagem com uma ligeira torção do corpo
Causando uma impressão tão mórbida da realidade já morta
E mesmo na escuridade das ideias tortas

Há beleza e sensibilidade nestes escândalos da alma;
Nos pactos mais imorais e nas vidências mais fantásticas
E eu me pergunto, até onde vai esta vã inquisição onomástica?

E daí que se suceda o pior?
C'est la vie, não?

Anda em mim o seu testamento, sem rubor
O meu pensamento sobre seu Epitáfio:

 "Repousa e dorme aqui neste lugar
Alguém que com flechada o amor matou
Um bem pequeno e mísero escolar:
François Villon foi como se chamou
Nunca ele terra alguma desfrutou
Mesas e cavaletes, pães e cestinhos
Ninguém o ignora, tudo ele doou
Companheiros, dizei estes versinhos:"

Andei errando por funestas estradas
Eu, paisagem fustigada
Na solidão abandonada

Por toda a parte a rir o incêndio
Em pleno e soturno silêncio
Debaixo de uma pura visão celeste.

By: Bruno

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