sexta-feira, 28 de março de 2014

Reductio ad cosmo


Numa tarde nem alegre nem triste
Alaranjada pelo drama que em, calores 
Escondem-se todos os medos e palores
E só na mente, dançam e existem

Participando do múrmur da cidade
Me perdia em detalhes da imensidade
Compondo a paisagem que, gaguejante,
Marchava, sacudindo os epitáfios flamejantes

Que ao látego vento, morriam e, tal desastrada
Sinfonia, me ocupava de esquecimentos,
Mesmo com olhos grudados aos infinitos remendos
Fragmentava o feitiço mecânico da toada...

Como se, em minha alma, um parque arruinado
Ganhasse vida mesmo engolido pela ferrugem 
Como se, o desgaste que a acompanha carruagem
Fosse, para as algemas que premiam meu corpo fatigado

Eu, uma estátua despovoada, escuto das estrelas
Uma voz ecoando do fundo da decadência
Resvalando em estranhíssima cadência
A sabedoria da queda que me tutela

Enquanto me arrojo ao espaço
Esgueirando por entre lembranças,
Ignominiosas temperanças,
De pertencer a estas estranhas estrelas.

By: Bruno

sexta-feira, 21 de março de 2014

Cinco sonetos de diluição


I

Como uma nuvem rasgada 
Lembro daquilo que escrevi
Ao estar de alma atordoada
Pelas intensas coisas que vivi

Intensas? Podes imaginar 
Verdades, invenções, alterações
Só me lembro de tantos corações
Meus, teus, vossos a navegar

Diante do que as aparências ofertam
Flores em calçadas, sorrisos em metrôs
Auras limpas pela fé que todos carregam

Contratos com o ideal que  emanam
Sonhos estranhos em inacessíveis platôs
Admirações embriagadoras que dilaceram...

II

E lançam o chão que cai em mim, nostálgico
Comparando a coragem de agora
Com os inúmeros medos de outrora
Concentrando o caminho em um traço trágico 

Que rabisco com o pranto que de mim jorra 
Escondido do meu alento, da minha saudade
Misturado ao deleite e morosidade,
Andando ao gosto do humor, que aflora

Enaltecendo a caminhada; 
Talvez pequenas presepadas,
No oceano das volúveis ideias

Quebrantado por fiordes, asas alçadas
Intentam voos, buscando novas moradas
Porém alcançando sempre mesmas falésias...

III

No esgar do momento
Sou vário, me transformo
Sou eu e me transtorno
Flor sem caule, sem alento

Nutrição que rumoreja sopro
Nascedouro do ar, manjedoura
Das coisas comuns, poesia doura 
A linguagem comum e sem escopo

Que ocorre no quarto, na sala
No gemido e na fofoca 
A criança por mais boboca

Cria poesia quando embala
Refoga-se na alma da época
Do poeta em sua pouca molécula.

IV

Na brancura virgem da folha 
A meridional sensação de desassossego
Desampara, na tensão sem fôlego
Da caneta e; o mundo sem dimensão, molha 

Átimos de tempos fremem a eternidade
Pulsante das letras, fora da gravidade 
O fragor das asas, dos telhados 
- Que nenhum Raio seja capturado!

Porque ninguém sabe de que engenho
Nasce a poesia ou a ideia que a inflama
Ou ainda o que entra no poema!

- O gato passando é intertexto, é floema? 
O passarinho voando é turbulência, proclama
O clarão na boca da palavra, monograma...

V

E peso de cada palavra, fardo de cada sentir
Cada ato, cada passo, cadafalso
Mentira e verdade somam sem advertir
A invenção da vida na qual me alço

Voando fora da asa, procurando
Na mecanicidade do desabrochar
Flores sem glória que, flutuando 
Têm um rumo inexistente a trilhar

Tempo fora do tempo, prestígio
Das plumas morbosas das estrelas
Simbolizando em suas mágicas aquarelas

A verdade escondida do diário martírio
Dos sentimentos humanos: A queda!
Da vida, sua verdadeira moeda.

By: Bruno

quarta-feira, 12 de março de 2014

Homini machina




"Afinal, a melhor maneira de viajar é sentir
Sentir tudo de todas as maneiras
Sentir tudo excessivamente"
              - Alberto Caeiro.

Quando olhei para mim, não me percebi,
Minhas sensações se misturavam às da máquina
E, eu que achava que conduzia, de forma tácita
Deixei de condizer com a carne que minha, senti 

Meus passos agora elípticos, em união sonora, 
Com a rotação da Terra, giravam alma afora
Sublimando o pesar das horas, jogadas em meus braços
Maquinando a futura introjeção destes novos laços

O céu tingia a mecanicidade de meus movimentos
Com respingos de um choro que não era meu
Enquanto explodia em mim, a flama libertária de Proteu
E nas ruas ecoava os meus sentires espalhados em fragmentos

Das ações que por tanto tempo recusei a pertencê-las
E que me dariam a mesma face que muitos vestem
A visitar os abismos cálidos aos quais a liberdade nos remetem
Sublimando-os pelas luzes mecânicas, ao simplesmente sê-las 

Duplicando o real em uma alucinação extremamente nítida
Na forma retilínea deste estranho alento, 
Em seu completo e singular excesso físico:
- O mais estridente dos meus intentos,

Regulado pelos ruídos confusos de todas as significações
Atiçando todas as múltiplas lacerações
Do meu corpo transtornado e dinâmico
Que, ao comportar todo este novo ânimo
Descobre-se mais perto das forças confusas do infinito.

By: Bruno 

domingo, 9 de março de 2014

As faces do real


Tanto me vejo no mundo
Que o mundo se vê em mim
E ao nos entreolharmos 
Percebo: - Eu sou o mundo!

Tantos passos estáticos 
Para poucos laços elásticos,
Sonhos de látex e plástico
Emendam a realidade,

Enfeitam de desejos a vaidade;
De equinócios de imagens vãs
Aos solstícios de lembranças
Constitui-se o Jogo de lumes da cidade. 

Turbilhão de cores despetalando
Vozes e amores, doces brumas
Violáceos sabores, divergem
Na cidade que a tudo converge.

Familiar a mim, o crepuscular tempo
Habita o desespero das imaginações
Onde engano e esplendor não têm emoções,
Dualidades exasperam o enigma do momento,

Inoculando chegadas e partidas
Nos ventos e nas esquinas... 
- Modernidade em toxinas 
Porque tanto me fascinas?

By: Bruno