terça-feira, 30 de dezembro de 2014

Carta ao silêncio


Não sei o que os vazios representam,
não costumo os preencher com minhas 
pendentes completudes, que fomentam 
as intrépidas tentativas das manias;
E conluindo em si mesmas, concepções vagas
são impressões dos meus caminhos brancos.
Como pensei: o nada ao ser definido não se torna tudo.

Sobre minha semelhança com os deuses,
Carrego os conflitos que me marcaram 
de um rubro solvente de minha constância...
Dono de mim mesmo? Indecisa existência,
Que leva ao fado de embater minha essência
Aos rios que queimam, aos vales que afundaram
E aos Abismos; estes me elevaram como altas doses.

Nos versos fora do ritmo, erro a porta do sentimento
Falo muito de sentimento e de erro por arremedo,
Assim nada tem fronteira e tudo termina em mim mesmo
Não importando quais rios, tudo se termina em esmo
Remando por fingir remar, prolongando o acordar cedo:
Não é por falta de ir, que tudo em aprofundamento,
Finde em infinito, comigo a contar o segredo das coisas.

Fazer versos para arrumar os sestros, agir como possível
E obter o resultado factível: o mecanismo roda,
Para que tudo continue o mesmo, e a vida absorta,
Num hino inconsciente e dele o repente e crível  
Da ideia fixa surge, conquanto os papéis fiquem hirtos,
Tangendo secretamente os literais bramidos
Com a imagem de um afazer a se movimentar.

Molemente estendido, no silêncio para o qual murmurio,
Verifico se as coisas todas estão em seus lugares todos
E se eu estou em mim, envolvido pelas esguias mãos do vazio
Cansado do acordar variegado das transições avençadas
Definido pelo indefinido, à rasca das portas emolduradas;
Não ouso abrir nenhuma que meus versos não tenham aberto;
Estrangeiro à vida, entretanto jamais cometi alguns êxodos.

O vazio é uma sala inteiramente adornada, enfim;
Uma jornada irrestrita e contundente de volta a mim 
Onde tramito minhas Petições nuncas ouvidas 
E redecoro a montra das sensações nunca sentidas;
Na eterna noite interna, as cadeiras sempre convidam,
Mas não consigo me sentar, me sentindo à véspera
Dos movimentos sem plano, estes que desejo tanto planejar.
Estes que teimo tanto a não escutar...

Bruno Borin

sábado, 27 de dezembro de 2014

A reclamação de João Cabral


Mas será pedra só pedra
 Mesmo lapidada,
Não passando de Agedra
Na terra fustigada?

Sim! Uso da fórmula matemática
Para que meu tracejo reflita a aptidão
Da língua, que advinda da humana razão,
Trabalha de forma tão fluida e prática

Na boca do cotidiano e das gentes
No seio da vida, ao sol a pino,
Nas ruas sem destinos aparentes 
Entregue ao relento do ensino!

Que me interessam os campos harmônicos,
Enquanto meu povo padece agônico,
Na singeleza de uma vida severina
Em que a criatividade atua tão sovina?

Uma faca que corta o corpo do poema
Assim espero, a partir do vomitado floema
Surgir as ideias digeridas, no osso e na língua;
Uma infecção ramificada na voz, na íngua.

Uma bala que rompe da voz e singra
No mar das palavras, à procura de concha
E flor, mas só encontra a matéria absconsa
e desamor, do desprezo e da náusea?

E o relógio que canta feito o galo 
O ensinamento do tempo, que rarefeito,
Esboroa em duas pontas de uma corda estreita
Morte e vida, bebida socada no gargalo!

Este é o poema, nada de alma a pulsar
Sem escalas e compasso, 
Só esqueleto trôpego a se movimentar
E uma faca só o aço.

Este é o poema, cadáver a remendar
Sem familiar traço,
Restando o corpo inerte a putrefar
E uma bala vertida no ocaso.

Este é o poema, nada a declarar,
Um relógio, eterno atraso,
Toda vida e lembrança a se ruminar
No omaso deste descompasso...

Bruno Borin

sábado, 20 de dezembro de 2014

Ideia de amor e de futuro


Atado a este rosto, que no intento,
Reage contrário à fome das presas,
Resguardando a mim, o ardor intenso
Dos aprazíveis sóis das coisas coesas 

Me perco do viver ao qual me misturo
Sem temor do que os sentimentos
Podem fazer dos moucos momentos,
Penso agora nos grilhões do futuro.

Do amor vejo, as ideias fragmentadas 
Entre folhas de tristeza laureadas
Com instantes da mais pura alegria

E do porvir, nada além de derreadas
Janelas, portas e casas veneradas 
Por mistérios e remendadas de memória.

Bruno Borin

segunda-feira, 15 de dezembro de 2014

Versos morféticos


                                                  A Augusto dos Anjos

Eu, porta-voz de Augusto
Todo sofreguidão e Andrajos
Não possuo asas de Anjos
Nem vergonhas em meu busto

Prostrado debaixo do Tamarindo
Sigo em passos tortos, apenas rindo
Na euforia numerológica dos loucos
Vendo os poemas correrem soltos.

No diapasão das verdades eunucas,
Ouvi tantas mentiras e putrefatos nuncas
Que à todas as hermenêuticas negativas
Me acostumei, tragando a matéria viva.

E como todas as imprecações, a poesia;
A verve anímica de toda experiência,
Verte sem qualquer anunciada prudência
O soluçar empolado de todas as maresias

Dos sintomas e assombros do século,
Da libido e seus proibidos ecos
E de um Deus morto e soterrado
Enquanto soçobram os erráticos

Passos, em madrugadas angustiantes
Onde o que resta é engolir as viciantes
E perniciosas águas amargas como a vida
Passando as idades de forma entorpecida.

É dentro da substância unívoca da alma,
No telurismo do ambíguo sentimento,
Que o mundo e seus arrependimentos
Desaguam em solstícios de pele alva,

Posto que a mais brilhante das luzes
É responsável por nos jogar nas escuridões
Mais escuras, onde os mistérios das cruzes
Se tornam a mais abstrusa ciência das multidões.

É no jogo de cenas e sombras que mingua-se,
A vontade de progresso e os ardis do destino;
Fazendo reinar fastidiosa, como um cassino, 
A fauna das crenças em extasiante melindre.

E aqui, na recitação da crônica do mundo
Não revogo minhas nevroses; convulsas
Abstrações e indolências e; ciente, as retumbo
Nestes versos trágicos, onde as avulsas

Ideações tomam formas verborrágicas
Para retratar a música disfágica
Que neste mundo sangra incontido
Nos blasfemos comportamentos vocativos
Para a desgraça e destituição do ser. 

Bruno Borin

sexta-feira, 12 de dezembro de 2014

A epístola da Náiade


Que es mi barco mi tesoro,
que es mi dios la libertad,
mi ley, la fuerza y el viento,
mi única patria, la mar.
  Canción del pirata - José de Espronceda

Filha das águas,
Melodia nunca acaba,
Ondeia em luz,
Os versos de Alcaçuz.

Retrato indizível do mar,
Fulgura em acordes e versos;
Tempo suspenso, sem altar
Onde os sentimentos travessos,

Brincando com a nostalgia,
Rimam em nuvem de harmonia
O que do coração transbordou,
Com que do violão se saudou.

Âncora ao oceano, me sinto pirata.
Mesmo sem conhecer a eternidade,
Por sete mares naveguei como acrobata,
Em versos sem alguma castidade.

Na tecitura das estações, digo Adeus
Aos versos que se despedem, 
E das memórias que  impedem
As bandeiras que carrego aos léus!

 Respiro o ar da cidade, mas desejo
As brisas do Oceano das estrofes,
A Atlântida procurada nas odes...
 Só te resta então reprofundar ao Tejo!

Bruno Borin

domingo, 7 de dezembro de 2014

Dissonância


A Biwa polvórica que urde em minha cabeça
Em assomos de desejos pagãos e líricas 
Foices, aprazem o delírio da fímbria Caleça
Que ri, quando a carne se enfastia de males físicos

Inseminando amores tão irreais quanto secretos
Me convencendo possuir, de todas as grandezas
Um coração proceloso o suficiente para os poemetos
Do amor, para as sinfonias da satisfação e das belezas

Porém, do sacrário apenas fico com as sombras
Os santos todos se foram e levaram minha pureza
E as vozes das memórias me culpam por tanta crueza
Porque de sinfonia, sou em verdade as obumbras,

Plenilúnios e todas as coisas baças de se ouvir
E somente em minhas catedrais posso sentir
O mundo que me envolve em severas obrigações,
E soçobram como fúlgidas quimeras, minhas disposições

E só na arte consigo voar no delírio do verbo,
Só entre as palavras sou uma vogal completa,
Só na embriaguez do sangue sou lúcido e repleto,
Coisa feliz, triste, longe de unção, eu exacerbo,

Suspenso, considerando a hepática sobriedade,
Concílio de mistérios comungados com mentiras
Oradas pelas estrelas, porque nenhuma frugalidade
Brota, senão com as cores que das interiores Piras

Emergem, entre soluços vindos das Grades do Peito
E da dissonância de carregar asas feitas das incógnitas
Vastas, inacabadas, depenadas, que palpitam no pleito
Do próprio sentir, tão único que rebenta em tecituras malditas!

Bruno Borin

O que é um soneto?


O que é um soneto, senão parte riso
E parte lágrima que compartilho?
O instante em que a chuva nos tinge
Trazendo a saudade que, impiedosa, cinge,

O momento do abraço ou do beijo,
O carinho que viaja neste proibido Tejo,
E se faz presente onde era mais esquecido
Que sentido! É ao fim, bramido, conversas...

Aquilo com que tu, em lamento versas
Ou também, algo que perpassa teu ímpeto
E que só recobras depois da vil consequência.

Só sei que de suspiros se dá a sequência
De palavras que se juntam em inversa
Gramática, para formar um belo soneto!

Bruno Borin