segunda-feira, 29 de junho de 2015

Desfile


Saltando direto do deserto de betume,
O oceano de luto deposita fantasmagorias
Em meus olhos, como se a ausência de lume
Atraísse às flores atrozes, as decompostas árias

Da multidão em desfoque, fazendo desfilar,
Na possessão das aristocracias vocabulares,
Mnemósine, tecendo-me os rostos a vagar
Nos corredores arredios, aos milhares,

Em um mundo eternamente carbonizado,
Perto dos velhos refúgios e das velhas flamas,
Fazendo ouvir seu crepitar dissimulado
Ao degustarem as vozes restauradas

Das harmonias que compõem as inspirações,
E as experiências inéditas, com esplendores
Coloridos demais para estas multidões,
Que se espargem cinzas diante dos fragores.

Sem altar, a Memória, opulenta conspira
Sua ornamentação nas seivas do intelecto.
Tragando em claridades impassíveis o aspecto
Dos ardores da culpa que perfaz a Pira, 

Tão sólida quanto Sua flava Coroa. 
Embora, a inflexão da finitude 
Se ajuste ao meus ritmos, 
Já não me faz vítima dos algoritmos 
Caçadores da eternidade.

Bruno Borin

segunda-feira, 22 de junho de 2015

Rosas negras à Terezinha


Procurando por ti nos telhados
Me prendo à minha solidão
Pois reconheço que foi a mim
Que perdi ao partir em pedaços

"Quantas vivências o coração precisa ter
para aprender que nada será seu?"
- Penso isto deitado na cama, 
Tentando sonhar em ser um outro

Que dava rosas negras à Pequena, 
Não por sua perda, mas por sua 
Breve intrepidez, nos muito dizendo
Como devemos amar, fagulha a alimentar...

Se nós nos encontrarmos novamente,
Vou pensar em seu perfil lavado de lágrimas.
Pois, fugazes, os sentimentos se esvaindo,
São como a passagem das estações...

Mesmo que estas palavras soem como rosas
Enegrecidas pelas vibrações mundanas
Elas contém o que realmente senti
Sobre a verdade que queimou meus olhos

E mesmo se o amanhã se esquecer de ser vivido
Esperarei sua mouca voz anunciando
A lembrança que já não posso mais alcançar.

Bruno Borin

sábado, 20 de junho de 2015

Arquipélago




À umbrosa margem do lago,
Nódoa de orvalho a pairar
Na superfície nulinerve do fado
Como lágrima doente a lograr

O êxodo das emoções escoadas,
Semeando canções esquecidas,
Mesmo nestas limitadas quadras
Como crases bruscas, arrefecidas

E imaginadas na melodia da vida
A constituir papéis rasgados 
Nos significados mitigados
Embora explorados, desta vencida...

Mesmo que meu sangue grite
Minha voz arrancada se estilhaça
Em um Eu que apenas se embaça
Ao tentar entender do mundo seu rebite

Enquanto minha imagem significar,
Poderei livremente transitar:
Metáfora eterna a transmutar;
Até aprender a coabitar,

Embora, os triunfos obscuros 
Vertiam em sangue puro
As lágrimas em pequenas barcas
Imersas em águas tão obtusas...

Esquecendo de perguntar o que sinto
Sobre a apoteose que me irrompe, 
Transpondo qualquer Hecatombe,
Percebo do muito que clamo labirinto,

Sem ópios; é a notívaga nostalgia,
Provocando hemorragia e pressago:
Entre tantos vagares, o Amontillado
Se faz presente na amortecida mania

De procurar no velho mundo,
Traços de um novo continente,
E no mais visceral e figurado repente, 
O verbo que na vida opera, profuso;

A reconstrução de todas as perdidas
Ideias, de toda a emoção esquecida
Encontra-se na pátria esculpida,
Das palavras maculadamente escritas.

Bruno Borin

quarta-feira, 3 de junho de 2015

Poiésis


Cama de folhas
Acolhem o pensamento:
O tanto que olhas
Dispersa o pensamento.

Os deuses de outrora
Roubam o acalento
E a era antiga desfolha
Em rapsódia, o encantamento.

A dança do Sátiro alumia
O laço dos idiomas
E a emoliente poesia,
prisma dos sintomas;

Sopro incandescente, 
Mais potente que os sonhos
Embora o embaraço
Seja mais transcendente

Que o eco, quando se esboça
Frente aos cânions da memória,
Ao nos iludir com a prosa
dos tempos de ambrósia,

Rompendo a secreta arquitetura
Do claustro do coração
Como uma repentina monção
Explodindo em mágica ruptura.

Bruno Borin

Partilha


Nuvem gris dividindo os idílios
Um silêncio encrespado configura
A passagem dos ventos, Bulícios;
Certos de que a concentração assegura

O prado das sortidas respostas lineares 
Que fogem a quaisquer habituais direções;
Enquanto a centelha fresca e inquisitorial
Fraqueja diante do embaralho da induções

Eclipsando as vidraças oculares, os brilhantes
Desígnios não permitem façanhas ofuscadas
E a dualidade que invade conta eloquentes
Invencionices, como se houvesse uma afastada

Verdade a se estilhaçar em minuetos sacramentados
A comistar com as viscerais fantasias, nas êneas grades
Do peito a fervilhar no pântano das emoções caladas
E assim o Moinho vai se desfigurando em metades

Sempre certas da arribação das agruras, vertendo
As cores, o prisma, nesta nuvem gris que divide 
Os bens mais preciosos da minha escuridão.  

Bruno Borin