sábado, 29 de agosto de 2015

À sombra da Amoreira


Desprovida de paisagens, a fronteira
Que me separa tem sabor de aurora,
Lá, onde as cores todas corroboram,
A perda do sentido se aviva à maneira

Dos horizontes cingidos pela Amoreira
Cuja extensão dos galhos dolentemente
Reinam hoje sobre as luas de Cereja
À amortecer os sentimentos docemente.

Fácil é me bastar de seus infestos frutos 
Que me retornam a um eu mais fantástico
Mesmo que lá os sorrisos sejam plásticos
E a vontade negada em seu salvo-conduto!

O luar erra em minha vida, ao despejar
Seus escuros; o sonho gravado de ouro,
Contra a vida pendendo de único grafar;
Redigir nela as efígies do meu calabouço!

Carregando pequenas ermidas sem altar
Como gotas de um fogo incensório
Nas minhas azáfamas sem repertório
Comungo das razões da dúvida a clamar,

Com medo das cinzas brasentas dos amarantos
Medrarem os estios da alma, peço e peco
Com o volume de meus vocábulos amarrados
Jurando que minha medida é meu começo...

E qual se me levasse, todo este mágico levante 
À sombra da Frondosa Amoreira, cromatiza 
Enfim a vida que povoa meu interior e enfatiza
Que busco a apreciação de meu desejo errante!

Bruno Borin

sábado, 15 de agosto de 2015

Sinagoga


Nos sinos do campanário,
Sepulto resta o horário
Enquanto o estribilho,
Dualiza seu vago brilho

Entre o carinho da rima
E o bradar da dualidade;
Entre ferida e vindima,
Quando ambos, mocidade

Representam, nas distâncias
E nas aproximações, sejam
Puras ou sujas, não referenciam
Mais à escansão, onde revelam

As verves que as impulsionam;
Impossível declarar quão razo
Pode-se mergulhar, quando alavancam
Os dramas para o escândalo...

Assim abstrato, como as mutações
Do sonho, e de tudo aquilo 
Que não combina com esquilo.
Já que pelo ou pluma, são abjeções

Impedidas de derreter, como os poetas
Ou os admirados icebergs
Que emergem sem qualquer albergue,
Que abrigasse a tantos planetas

Dissolvidos neste viver sem plano,
Nesta lide sem conciliação,
Já que insepulta, a paixão
Perdura como um ritual profano

Necessário para manter-se 
Nesta era dos prazeres mundanos,
Como o império Otomano 
Sigamos, então, enterrando o perder-se

Nas culturas do Outro até juntar
Tantos deuses que, sem contar
Mil novenas, já livres a profanar,
Juntam mais de mil altares a rezar

Sem nunca culto proclamar;
Sem ritual próprio ou reza,
O clamor certamente medra,
Nas mesas, nas cervejas a brindar!

Bruno Borin

Apelação


Desculpe falar do meu apelo
Mas este meu desespero
É fonte de outras dores
Medo de morrer de amores

E nunca ser correspondido
Em tudo aquilo que deveras sinto
E de que te afastes escondido
Com o pensamento de que minto

Confesso a pressa e o exagero
Muito longe de ser desleixo
São do encanto que se instaurou

E por mais que me descabe
Temo que abrupto acabe
Este amor que mal começou.

Bruno Borin 

quarta-feira, 5 de agosto de 2015

Teatro


Suspiro sílabas moucas,
Não ousaria dizer muito:
O essencial se aproa
No incerto mas pertuito.

O rigor mortis do ideal
Até mesmo no sentir
Se traduz em flama fanal
Sem um outro a transmitir,

O efêmero calor dos trópicos 
Ou o brilho esquálido dos olhos
Mesmo através da máscara
Noh, e desta mentirosa cítara

Tão longe quanto os amanhãs,
São os acordes de um sentimento, 
Completamente esquecido nas manhãs
Onde nunca houve prometido alento

Fechando o futuro em minhas mãos
Mais uma luz se queima na cisão
E um estilhaço cerzindo um sorriso
Nos lábios que esboçam um improviso.

Bruno Borin