quarta-feira, 28 de janeiro de 2015

Mandala


Na tapeçaria do espírito
Não sei o que poderia bordar;
No dorso da melodia a porfiar
Singeleza ou rito, o pouco bramido

Me retira da moldura, de onde,
Pregado, seguia no ritmo cadafalso
Desta caligrafia, tinindo por algo 
Áspero, como das grades ao fronte.

Os começos não mais se distinguem
Dos finais, onde as fitas se enlaçam,
E as lembranças perdidas me oprimem,
Tingindo os céus que se desembaraçam.

Ignoro flores e caminhos, absconsos 
Pelo horizonte sombrio e latejante, 
Entediado com o pouco que ouso,
Na linearidade da quadra jactante.

Solene é a decadência prostrada,
Dentro de um traçado projetado;
O que aqui nasce, nunca a estrada
Cruza, antes de ser caprichosamente alvejado.

Ao mirar no céu, aquele pequeno furo
Que tem solitariamente me acompanhado,
E comigo compartilhado delírios de futuro,
Mesmo sabendo de meu corpo fustigado.

Me pergunto o que tanto alumiava
Com a flama, senão eu mesmo?
Tentando ver o que atormentava
Ou apenas gritando contra o tempo.
  (Lapidando com tanto esmero)

Se as coisas como as vi me esquecessem,
Queimado seria pelo que deveria ter sido.
Andarilho dos círculos que, ao se esvanecerem
Levam consigo o que têm me constituído.
  (Configurando a exegese do exagero)

Bruno Borin

quarta-feira, 21 de janeiro de 2015

Incredulis visio


                                                         A Antero de Quental

Em fome de vida, me assemelho
A um antigo Deus esquecido.
Me sentindo um pouco remido
Ao ler através de um lume aceso

Páginas ritualísticas desacreditadas
Há muito, como se nelas procurasse
Uma alternativa a esta mortalha rendada
Que, por suposto muito me entristece.

Mas, preso em secular imaginação,
Os versos me abastecem dessa teia
Incendiária que minha procura ateia,

Em liames de infinito, como contratos
Cujas cláusulas reverberam o mistério
De viver sem um altar ascetério!

Bruno Borin

Narciso ou O sintoma


O que, um dia eu aguardo?
Revolto em sombras que me guiam
por adentro dos gélidos adendos
das almas vizinhas?
Não oiço flautas e oboés,
os deuses me são mudos
por estas turvas vozes alheias
a gritar o mesmo grito de cansaço
e as mesmas respostas que eu...
Por isto, não erigirei preces
nem altares; seguirei tão torto
quantos às águas do riacho
que me estilhaça quando nele procuro
um reflexo...

Atado aos ideias da beleza; 
de surpresa em surpresa,
navegando, mãos e pés
já não sabem mais tatear. 
Entre grades inventadas,
figuras em formato de flor
desabrocham nos horizontes
das perspectivas perdidas.
E diante da percepção ausente
soçobram o fôlego e o desejo,
a Candeia latente das emoções
já não cerze um só verso de amor.

Mesmo em mil vidas, perderei 
o bulício de Eco, a se desdobrar
em desespero por um olhar
que não posso dar; Por um beijo 
que nunca ousei roubar; 
ou ao menos cogitar em meu silêncio;
Absorto, em meu caríssimo morrer...

Bruno Borin

quinta-feira, 15 de janeiro de 2015

E se eu recitasse poemas...


E se recitasse poemas?
Saberia por qual começar,
Como se começasse a falar
Sobre todos meus dilemas?

Ou sobre os fatos da vida 
Como este, o de recitar. 
Como escolher o que criar?
Dentre as melodias da cítara?

Sim, esta que vaga por entre as Vagas
De minh'alma e simplesmente divaga
Em qualquer matéria que pouse

O meu interesse e, que meu ser ouse
Mesmo nem imaginando qual saga
Percorreria, se recitasse minha própria chaga!

Bruno Borin 

sábado, 10 de janeiro de 2015

Vida de papel


Brincando com lonjuras
Perdi o gesto maroto,
Dilacerado com as loucuras
Da lucidez, deixei a pender
A alma livre de raízes

Revelando a faísca perdida
Que me aproxima do mundo,
Retirando essa terrível medida
De cacofonia absurda e sem rumo.

Viro uma rua, deságuo em saudade,
Cruzo uma avenida, atropelado sou
Pela fanal urgência de sobriedade,
Minguado pelo que das horas restou.

À noite todos os fatos são pardos
As certezas, despidas, são unas;
A verdade, esta é sempre nula!
E a vida a se levar? Sonoro fardo!

Ideias, equívocos, florescem em mim
Com suas formatações cruas, estranhas,
Corrompendo as vozes do meu latim;
E as tecituras das novenas tacanhas

Me percebem em tal ingênua natureza,
A de sugar das essências da beleza,
Suas diluentes espiritualidades
Para compor tais lágrimas de sinceridade:

No mais profundo borbulhar latente
De um neblinamento sulfuroso;
Do coração que feliz e triste sente,
Um temperamento eternamente chuvoso.

Bruno Borin

domingo, 4 de janeiro de 2015

Hesitação

Abrasado pelas forças das lágrimas
Em um mundo sem encantamento,
Meus suspiros em leve pátina
Compõem uma tecitura ao relento 

Com o céu tingindo minha tez,
Com as matizes das lembranças 
Não sei se por minguar a nitidez
Ou por faltar temperança

As quero revividas em melodiosa voz,
Ou se apenas desejaria visita-las 
Em sua mais densa e primária foz

Não sei o que pretendo enxergar, 
Por fim, da memória em seus gentis
Respingos, ou da vida em seu além-limiar.

Bruno Borin
Outro ano se esvai
sem saber qual das estações
meu coração atrai

Fito o céu se tingir
e me assusto levemente
com as cores a bramir

esqueço o que ia dizer
tudo bem, já me convenci
daquilo que ia fazer...

Bruno Borin