quarta-feira, 27 de junho de 2018

Utopia


Bem queria ser a novidade insurgente:
Ineditude a estourar bem inocente,
Um soneto que rimasse um pós-tudo:
Mas estou aqui, arcaico, meio fulvo!

Delirando um sentido de além, sumido, 
Desafinado e furtivo, tal a modernidade:
Ambiguidade dragonesa, signo postiço;
Liquefeita e imperfeita essa verbosidade!

Queria escrever meu poema, sem lendas
Atual e político, que se fizesse gramatura
Solta, pulsante, mas não é por estas sendas

Que meu espírito deambula longe, irriquieto!
Amálgama rubra de mitos, segredos e agrura:
Perpétuo templo ou antigo copo de cianeto...

Bruno Borin

Afogamento


Mergulho

Nas funduras

Obscuras do meu ser

Para obter a mais pura luz



Singro as ondas

Revoltosas

Das emoções escondidas

Metade dívida

Metade treva

Muralha de espelhos

Postigo dos desejos



Como nuvens de fogo

No céu do meu delírio

A dor dos calendários

Confronta a lisura do papel

Beirando a lágrima do meu ser



Humana ideia de mim

Que sou só esboço

Barco bordado

No tear desconhecido...

 Bruno Borin

quinta-feira, 14 de junho de 2018

Canção do errante


A vida é variavel assim como o Euripo.
Apollinaire

I

Cruzando a ponte febril de nuvens
Me espargi como um rio no oceano
E como lembranças a flutuar, surge
A vida, em cartas de um baralho decano

Nas ruas sem número do meu epicentro
O sol dos dias brilha dilacerado, tentando
As cavalarias alcoolicas que, trotando
A esmo, fiscalizam os proclamados remendos

Em vagas faces, de sombras vivazes compondo
O cipreste oloroso e destituido de sentido;
Um monumento profano é soerguido 
No lugar de uma proscita ruína sem rosto!

Enquanto dançáveis melodias variavam
Ditando os passos a serem dados
Esqueci dos comprados alambrados 
Em um padecer que os céus me alijavam...

II

Não sei o que é mais fugaz, 
Se é a vida a nos entoar
- A final canção 
Ou o coração a ditar
- A feroz paixão! 

Em mãos de outono, se perdem
Os signos colhidos do junco
As queixas de verão cedem
Ao corado sumo
E acordes bailam nos yeah yeahs da vida.

Morrem muitos cantos, muitas melodias
As portas batem sorrindo terrivelmente
O amor dura um lapso de segundo
O tempo de uma visão subliminar
Ser esquecida, mas uma eternidade
Para ser posto de lado como uma memória
Vazia.

Feias são as beatitudes, senão compostas
De sonhos honestos e romances perdidos
Do sangue dos deuses que se compõem
As artes que ferem a alma dos astros
E revelam a mentira das estrelas.

Eu me eternizarei sob o espinhal em flores
Recuso a tenra grama e os campos lilases
Do verbo quero o ritmo da existência
a bradar cem anos de consolo para uma dor
Que não se alcança.


III

Meu revelar é também um esconder.
Bruno Borin

Precisando de favos de azul
Vestido de incompletudes 
E sentindo que perdi my soul
Reconheço essa tal solitude

No desamparado castigo 
Nas próprias condolências
Acho as profundas essências 
Do meu antigo postigo!

Distanciando do matiz verde
Segmentado em res urbana
Componho minha verve
Do intransponível engano;

Desejando o purpúreo lupanar
Das ideias fátuas e merencórias;
Proclamei sem dolo um pressagiar
Instaurando o ritmo destas rapsódias

Nos verbos de ação mais fantasiosa
Para mendigar cores que nunca tive
E não absconsar na mesmice,
Perdendo minha mocidade preciosa...

Bruno Borin

Soneto do dormir junto


                                 - À João V.

Dedilho em seu ventre
A descoberta do amor,
Muitos mistérios entre
Os cânticos de clamor

E as vidas que nos juntam,
Na roda da fortuna, a girar,
Tão novas melodias a cantar,
As razões que nos caminham!

Um soneto não há de resumir
O que há tanto tenho sentido!
Mas em meu singelo bramido:

Expresso o que vêm remexido;
A cada acorde que se põe a luzir
A vidinha de amor a se conduzir...

Bruno Borin

Quadro negro


                                       - Aos amores passados

Na noite riscada de giz
Encharco minha vida
Descuidado com o verniz,
Perdido na grande avenida

Entre tanto sentir, todas as cores
Estavam soltas ao chão, diluídas
A que escolhi: Só trouxe dores,
E meu medo leva à estas cálidas

Telas, que têm a tua tinta
Em meus rascunhos de amor
A lapidar em bela escrita
Algo entre fantasia e dissabor

Tanto poderia desabrochar
O caminho por ti escolhido: 
Foi mais abrupto desmanchar,
Restou colher da falta de sentido

Expectativas quebradas, em rastilho
Se enveredando pelas raízes do sentir
E a primavera, febre, frágil ao bramir
Não deteve seu florir, castigado brilho.

Lábios assinalaram desejo de infinito
Jamais imaginando este durar mais
Que moucos segundos, manuscritos,
Tão perdidos quanto cingidos de gris...

Bruno Borin