domingo, 22 de abril de 2012

Névoa


A luz se estreita vagamente
A sombra perde força
A visão se esforça
A voz enfraquece lúcidamente

A fadiga exala lamento
As águas no entanto,
Se movem com todo encanto
Mas a lareira vai perdendo seu alento

Asas que fogem do inverno
Ervas daninhas arrancadas
Dos vasos, com mãos calejadas
Almas que não querem o inferno

Sonhos não lembrados
Traumas esquecidos
Tormentos arrefecidos
Corpos talvez atordoados

Todos esperam calmos
A névoa cessar seu rancor
Pacientes, à mingua do palor
Recitando seus salmos

Para tornar a relva emocionada
Assim os temores uma vez afastados
Afastam também a treva alvoroçada.

By: Bruno

terça-feira, 17 de abril de 2012

Talvez eu deva procurar olhos como os meus...

Talvez eu deva procurar olhos como os meus
Em alguma primavera qualquer
Quando as florações já desbotadas
Estarão cobertas pelo crepúsculo
Acostumadas com a imperícia do meu coração...

Segurando as mãos das noites sentimentais
Me vejo conduzido a procurar olhos como os meus
Porque minha alma é triste como o sino solitário
De uma catedral distante, há muito esquecida...

Não é verdade que o amor é cego
Porque mesmo turvo, aprecia o despertar
Dos botões de cerejas, maçãs, laranjas
Até mesmo das horrendas raflésias
Selecionando com muito cuidado as estrelas
Para as quais direcionar os desejos mais profundos...

Talvez eu deva embarcar em um trem sem muitos passageiros
Selecionar um vagão bem acolhedor e sentar em uma cadeira para a janela
Perder-me olhando para o futuro transpassando o presente aéreamente
Encontrar-me entre visões de cabeleiras que desembarcam estações afora
Quebrando estas visões em pedaços de paisagens lembradas...

Talvez eu deva aprender mais sobre os castelos da antiguidade
Afinal, estão neles, por excelência, os sonhos de grandiosidade
Ou talvez eu deva também observar mais a natureza e seus viventes
Afinal está nela todo o desejo opiáceo de imortalidade orgânica do homem...

Talvez eu deva dar-me mais palavras, pois estas já não comportam minhas alucinações
Mesmo elas sendo simples cenas, acometem horrores estilhaçados em meu coração
Talvez eu deva procurar olhos como os meus
Olhos que acolham sem remorso a desordem do meu espírito
E assim eu não me sinta tão pesado quanto esta tormenta que chove morna e inconstante
Na minha solidão....

By: Bruno

As Pinturas Malditas


Quando a fina trama da vida começa a nutrir-se de desgraça
Manuseada delicadamente e enroscada em fios invisíveis e inescapáveis
Estranho exército de gritos desesperados, procurando miserávelmente a graça
Acabam por revestir-se ainda mais em maldições impalpáveis

Transformando-se na tinta ideal para as mais ousadas pinturas
Acompanhados da boa voz dos anjos que caem dos altos céus, laivados
Imergindo no grande mar de telas, compondo as vogais empilhadas
Junto a consoantes demoníacas, que em êxtase abrem-se em imensas diabruras

E segue por séculos o spleen iridescendo-se na matiz das cores profanas
Circulando nas telas dos versos como nobre seiva incandescente
Nem preciso citar o luminoso ódio que por vezes também é resplandescente;
Caim apunhalando Abel, consagra o início destas maldições arcanas!

Quando uma mão espalmada esconde os precipícios, as bordas dos edifícios,
As pontas das facas, o gatilho das armas; os arco-íris esticam-se frágeis;
Quando a outra mão fecha-se à fome, ao terror, alimentando fervorosa, os hospícios
A natureza rutilante e transtornada, complementa esta calamidade com desastres ágeis!

Porém pouco importa quem tripula este mundo, ou qual será a algazarra derradeira
Porque, mesmo que eu trilhe caminhos obscurecidos, tenho tinta suficiente
Dentro do meu âmago em flama, posto que vivo em um inverno surdo e diligente
Não me sinto guiado por este Éden leproso, nem tolamente acredito em puras cerejeiras

Mesmo cansado ou impassível, coletar estas tintas acaba ninando minha alma,
Trazendo dos abismos flores roxas que ao meu corpo, atóxicas, preenchem-me de sentido
Com licores trazidos dos astros esquizofrênicos me embebedo, mesmo com coração partido
É assim, temendo as visões eternais, chorando prantos infernais, que eu componho, com toda calma,
Estas pinturas Malditas!

By: Bruno

sexta-feira, 13 de abril de 2012

Considerações noturnas

As estrelas ao presenciarem o afogar de minha consciência
Não estão nem em seu fundo de luz, um pouco surpresas
Nem mesmo quando oferto aos dentes das trevas mais turquesas
O sabor dos sóis artificiais que eu daria com toda ciência
Das lágrimas que despencariam pálidas e apáticas
Ou do sangue que julgo correr ainda vivo por este manequim
Não, eu não mentirei, não hei de querer a ajuda dos Querubins
Posto que perdem-se em mim a podridão das virtudes tácitas!

As sigulares primaveras do pensamento
Também portam armadilhas em suas harmonias
Guiadas por um caminho proibido de especiarias
Que condecoram minha carcaça sem alento
A suave aspereza das mãos do destino desviam
Como mãos que empurram uma cômoda atulhada de planos
A leveza inerte do passar dos descuidados anos
Na medida em que minhas inconstâncias se distanciam

As luzes da noite dobram de súbito
Como espíritos sem pátria que ainda vagam
Sem nunca se lembrarem do motivo de seu óbito
Numa postura despreocupada de olhos que nunca se apagam

E comparo o clarão dos prédios com os das constelações
Vertendo-me no cérebro prodigiosas crepitações,
Sobre meu fim, mesmo que eu acabe vagando vencido
Céu, inferno, que importa? Conforto-me com o desconhecido!

Por tudo o que os céus hão de revelar
Eu sinto em mim o borbulhar do infinito banhando-me
No pranto das alvoradas, na sombra implacável
Imerso em rastros que não posso apagar
Em noites tão sem fundo quanto oceanos congelados
Eu sinto o pavor de sonhar realidades formidáveis
Ilhas mágicas dentre as nuvens, paisagens medievais porém tecnológicas
Cascatas miraculosas e serenos embriagantes...

Porém correndo por ruas pouco alumiadas
Tem-se a paz da equivocada escapada
A paz proveniente da distração causada por neons e propagandas
Róseas olheiras dominadas por vultos maníacos
Vestindo o colorido das estações, profanamente acolhidas
Enquanto o desabrochar das flores rola ignorado
Quando percebo, sem um longo raciocínio
Que perdi um incômodo não reconhecido,
Possivelmente a lucidez da minha alma
Para quem? Nem consigo imaginar...

By: Bruno

domingo, 1 de abril de 2012

Mentha pulegium

Um delicado aroma descreve
Singular mimo esverdeado
Prazer luzidio porém breve
Deste sutil enlace desencadeado

Parecendo doce e canora voz
Este suspiroso êxtase casual
Amornando o cansaço noturnal
Até distraindo do sofrimento atroz

E contemplo sob o céu movente
A saudosa imagem do inverno
Estação de onde é recorrente
Este líquido vaporoso e fraterno.