É neve. Eu imagino neve neste conto japonês narrado embaixo
da cerejeira. Perdoe-me o atrevimento, ó espírito que se indaga sobre a
veracidade da minha ambição. Em uma
época cheia de youkais, antes dos trens e antes de qualquer sentimento de
revolução, na pequena casa à mercê dos cupins e dos percevejos sem educação,
uma menina cravava uma espada muito mais pesada que ela no chão. E eu aqui, embaixo da cerejeira imaginada, me
pergunto o seu tão escondido por que. E olhando para as manchas de sangue da
espada, que acompanhavam as manchas de seu quimono bege claro, pode-se ouvir
muito bem o bater das lâminas em um combate vicioso. Podem-se ouvir também os
ventos de desespero de um coração temeroso pela própria vida, mas ainda com
toda disposição para realizar a vingança.
Suas lágrimas como pedras caíam
conforme suas mãos forçavam a terra engolir sua lâmina, eram muitas memórias
terríveis para um coração tão pequeno e inexperiente. Era também sofrimento em
demasia para uma alma tão jovem e tão morta.
Decidida e de rosto limpo das lágrimas, deixa aquela casa e
aquela espada com um fato tão monstruoso para trás, excomungada pelo sangue
derramado, solta num mundo cujas engrenagens se lubrificam com o suor dos
camponeses e dos samurais. E em meio a neve, vagando ainda sem rumo por ruas
que acumularam sua infância pura, depara-se com um trovador tradicional,
cantando uma ode tão, tão familiar, que seu coração se comprimiu em seu peito
como a chama de uma vela se comprime quando seu oxigênio se extingue.
Desesperada, corre para que suas lágrimas não caiam ao som daquele grito
fastio.
Quando finalmente longe daquela cidade, daquelas pessoas,
daquele canto e principalmente daquelas memórias, as copas das árvores lhe
jogavam uma honesta sombra. O tronco de um paciente pinheiro resguardava ali, um
lugar para se sentar e pensar. Foi o que nossa pequena amaldiçoada fez,
sentou-se e aos goles de sua pouca reserva de água, pôs se a pensar. O que
faria agora, sem destino certo, sem dinheiro em mãos, apenas com uma pouca
variedade de coisas que carregava em sua trouxa? Para constituir o pequeno
punhado de sorte que os deuses esmolavam àqueles que se vingam com espadas
samurais, ela trazia consigo uma biwa sem verniz e sem qualquer decoração
específica, apenas uma mancha pequena na lateral. Se sabia tocar, descobriremos
quando ela se atrever a exibir as coisas aprendidas com sua avó, uma possível
mestra nas artes líricas tradicionais. Mas eu me pergunto aqui, com meu copo de
cerveja européia em torno dos ventos que carregam as pétalas, o que ela
cantaria?
Que coisas retrataria em suas letras improvisadas? Sabemos que não se
podem dissociar os que cantam essas coisas de suas produções, já que é no
improviso do pulsar do sangue que são compostas tais melodias. Enfim, as
tímidas folhas do pinheiro são forçadas a acompanhar seus primeiros ensaios,
testemunhas do aquecimento daquela jovem e rouca voz que tentava, apenas
tentava encaixar seus primeiros tons musicais. O que será que movia suas melodias?
O que acharam? Comentem pessoal!
Interessante esta tua exploração de temática nipônica e folclórica, soou bem universal e contemporânea, gostei bastante, a sua expressão poética e lirismo esteve bem evidente neste conto, muito bom,
ResponderExcluirum cordial abraço.