segunda-feira, 29 de setembro de 2014

Dialética - Uma crônica dos sentimentos



Estalando na noite o crepitar que acossa o alvorecer
Laivando com o absurdo da neurose o ambiente
Sob a lua que se surpreende com o minucioso repente
Das intrépidas águas de um pluviosê adiantado, ao arrefecer

Suas torrentes sobre o negrume flamal, dardejando irreverente
A condição de inconstância do fogo, que crepitante,
Retrucava sobre a intempérie para a madeira emoliente:
- Eu, presente de Prometeu, como pude ser tão imprudente?

A água, apenas torva ficou, não revelando emoção alguma,
Diante da psicótica fogueira que plangia na floresta,
Mesmo sua interação inusitada sendo vista por qualquer aresta
Formando rasas poças ao redor do clarão que cedia às suas espumas

A flama não se deixava amedrontar pela vaga intrepidez do derramar,
Que bradava: - Achas que controlas teu vazio crepitar, afoita destruição;
Sou a Regente da vida e do clima, tudo depende do meu fomentar;
Enquanto tu, ó abrupto calor, só propagas a descomunal corrosão!

A vermelhidão juncada aos retorços, involuntária, se condensava 
Convulsa e sonolenta, praguejando o lânguido feitiço
Que cumulava sobre seu ignóbil âmbar inteiriço
Tragando a razão dos lábios que beijavam a lenha que carbonava:

- Eu, presente de Prometeu, ardo desde tempos imemoriais
No coração dos homens, não posso ser por mero evento, vencido...  
- Tu, presente? A vida é o repente que eu propiciei! És mero rútilo!.. 

----------------------------------------------------------------------------------------------------

Antes que o diálogo pudesse terminar, os céus, como pulsação
De súbito clarearam, conquanto  da flama apenas brasa restou
Do calvário dos incógnitos amantes, o gravame silêncio os divisou 
Poças e brasas, pequenas ondas e vapores, estalares de mistificação

Onde fragmentados, os dizeres por assim ficaram, 
Odes ecoantes apenas aos seres da floresta reveladas;
E conquanto dissipavam o orgulho das dialéticas relvadas, 
Os sonhos das árvores, na fuligem findavam... 

Mal sabia a água que a flama é um grito do tempo
Contra ele mesmo, por acumular vidas demais
E também mal o feroz rubor conhecia das águas
Sua eterna transição; e que representa o alento
Etéreo do novo fôlego após o grande brado,
Pois como é sabido, do caos surge a nova ordem
Enquanto estes velhos amantes se colorem...

Bruno Borin

Nenhum comentário:

Postar um comentário