domingo, 2 de dezembro de 2012

A serpente emplumada


I
Quando Quetzalcóatl passou pelo céu do meu delírio
Com aquelas asas de cobra imortal
Me pungindo com uma surpresa fatal
Eu pude sentir no brilho litargírio

Daquelas plumas metafísicas, transbordar uma paz líquida
Muito mais pura do que aquelas presas nas garrafas
Contudo muito mais bruta e incorpórea do que as folhas da Anafa
Fazendo meu sangue circular de forma mais pálida e lânguida!

Que estranha danação, daquela criatura
Condenada a mergulhar no céu e voar no mar
Desencarnada da vã matéria e do poluto ar
Encantando a mágica filosofia de um povo mesoamericano
Com uma emplumada ossatura, ah como deve ser uma grande tristura!

II
Ó serpente emplumada, que queres das terras por onde passas,
Orvalhando a fresca fertilidade nas folhas secas da relva
Ascendendo os alimentos físicos dos bichos da selva,
E os alimentos espirituais dos povos de eras passadas?

Um coração humano ainda quente te faz alimentado para prosseguir tua eterna viagem?
Teu corpo, cuja extensão longuiforme ressona o canto da natureza inteira
Consegue distinguir o louvor no templo escondido na densa folhagem?
Porquê partes tão apressada, ó Serpente trajada tão à tua maneira?

Bom, vá, vá! O céu anseia teus sussurros com singulares ideias
Tu não pertences ao céu do meu delírio, nem ao paraíso perdido 
Tu pertences à eterna peregrinação, bem como ela a tu, meu fragmento contorcido,
Da realidade dos tempos pagãos, que me acende as pequenas candeias
Do advento da inspiração!

III

Ó doce sibilo que aquece o ventre da humanidade
Instrumento de esperança e prosperidade
Ó abrupto bater de asas brancas que ceifam
Os carmesinados virginais que vosso altar forram

Mal desponta o vento, e o breve alento
É o indício da nova partida, retorno ao ciclo ourobórico
Correspondido nas terras ameríndias o almejado milagre biológico
É hora de debruçar o corpo sobre o etéreo firmamento

Vertendo-se atemporal, indolentemente 
Unindo-se a um panteão mágico, serpentinamente
Vai, parte de uma vez, não retornes ao céu do meu devaneio
Nâo vês, que como muitos, à tua mitologia eu sou alheio?

IV

Mas estes tempos belos e tristes bem que podiam se valer de teu oratório
Uma pena que ninguém mais compreende o rastro sombrio e inglório
De tua passagem, entremeando as nuvens em um movimento ondulatório

E então mova-te por cima de longínquas terras, campos santos e bosques pagãos
Passando por povos que se acham tão equidamente sãos
 - Sem achar absolutamente nada, que constrição santa!
Retorna-te ao símbolo adorado do caduceu!

Enquanto eu repenso se te coloco ou não
No meu grimório tão infame e nebuloso
Quanto o teu passado ritualístico e glorioso!

By: Bruno

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