No protoplasma estático da celulose,
No fóton irradioativo da tela
Vivo mil vidas e não dou pela falta da minha,
Leio no reflexo que não me reflete
Mais verdades do que eu poderia auferir
Sobre a físico-química das coisas que existem
E que pra mim não existem, pois não as sinto táctilmente
E porque não as vejo percebo que mentem, metendo-me
Nas realidades disfuncionais dos caminhos tridimensionais de ser bípede.
Sujeito e predicado são para mim a verdade por trás do objeto oblíquo
Das coisas que caracterizamos com palavras
Só para poder escrevê-las sem a culpa de não-nomeá-las
Sem a febril intensão de se ter febre ou resfriado
causado pela poeira das coisas inominadas ou esquecidas
Que na verdade, não nos guarda rancor por esquecê-las ou não nomina-las.
E quanto ao teorema do absurdo que jaz em todo funcionamento motorizado?
Foi uma tentativa tão abstrata assim de fazer do homem o paradigma
Para a poesia suprema, soberba do ato de existir sem se fazer nada?
E quanto ao lamentos dos Deuses que deixam de impetrar decisões fatalistas
Porque os trocamos por botões de acender luz e desligar coisas?
Há na alma ainda uma alameda com candeeiros prontos para acender e apagar
Conforme a música da vida que nos ressona desde a ponta dos pés aos ossículos auriculares?
Eu... Como sei que eu sou eu?
Preso nas configurações desconexas do sentir?
Liberto na vida por amarras invisíveis
E desfiado de mim mesmo, por mim mesmo todas as vezes
Em que não peço permissão às palavras e elas me invadem
Querendo ser escritas, seja no papel ou numa tela
O que importa é o caminho que interpela
A maneira não importa, nunca importou,
Posto que a vida é um imenso refrator 2-D
E o ciclo das emoções é continuo e avesso
Aos dentes de Chronos que nos devora lentamente
E sem qualquer tempero, sem qualquer cerimônia
De garfo e faca e sem guardanapo!
Sem guardanapo! Ele não tem a mínima vergonha
De se lambuzar do sangue do nosso tédio,
Da seiva da nossa alma, da água azeda em nossos corpos!
E a cada garfada, eu acabo percebendo que continuo sendo eu
Sem ser realmente eu ou outro. Ou sendo eu no outro, fatiados
Numa só salada de eus e de outros!
E mais uma vez chamo meus olhos a mim
A corruptela glaucômica da vida tenta sempre
Mas não desvia meus olhares de mim mesmo,
Pois há neles o ardor do mundo, então a diferença é mínima
E então clamo a vida que me ensurdece a alma
E que se refugia nos papéis que se espalham
Se mostrando mais viva nas telas do que na vida vivida
Mas todas estas vidas, épocas e valores
São inspirações mortais, são a arte que procuramos criar
E que no fim não pode ser criada, pois ela está aí!
Em profícuo estupor, incessante! Eia a civilização
Eia a todas as civilizações e sua mania de perfeição!
Os prédios em sua impávida forma denigrem-se a si mesmos
Ficando cada vez mais modernos e nos tornando verticalmente mentirosos
Enquanto as pirâmides, coliseus e todas as outras formas geométricas
Nos invadem em forma de passado, convidando, instruindo,
Modificando a falsa noção de todas as realidades
Que pensamos e teimamos tanto serem verdadeiras
Coitado do papel... Aguenta cada falácia
Mas a tela, ah a tela, essa é mestra, nos domestica cada vez melhor!
E gostamos, eis vosso ópio, garotada!
Gostamos da representação de nós mesmos,
Gostamos de não ser nós, gostamos, gostamos, gostamos
Afinal quem quer ser a si mesmo e não saber o que se é?
A tela nos mostra tudo! Tudo mesmo, basta apertar o canal, vai vai, aperta logo!
Mas o papel... Só o papel nos compreende como somos!
Eia!
By: Bruno