segunda-feira, 31 de outubro de 2011

Mãe

Tal qual um menorzinho de idade
Tal qual remota miragem da infância,
Agarro o dedo de minha mãe
E raspo sua rústica unha na parte inversa da minha falangeta
A alguns passos adentramos no metrô
E fomos...

By: Bruno

domingo, 30 de outubro de 2011

Missa Negra


É impressão ou as chamas das velas
Fulguravam em ondas naquela sagrada decoração?
Enquanto orávamos fielmente à um sol de fogo e pena
Sob as palmas de um rebanho que acena

Cumprimentai-vos irmãos, com uma paz hipócrita
Tal como estrela aflita dos vícios que me acometem
Das virtudes débeis e perenes das vidas que florescem
Prodigalizando mais uma tarde nesta cripta!

O altar enegrece com o cair pungitivo
De sangue virginal e das penas que se soltam
Daqueles anjos que se revoltam
Caindo um por um com lágrimas furtivas

Gritando desesperançados
Morrendo infinitamente junto com a sanidade
Jamais livres do pecado da santidade
Corações a esmo arrancados

Afim de alimentar tamanha impureza
Volúpia fecunda a pestanejar como Hórus
Que vê além desta mancha de pus
Um sol esguio e cheio de esperteza

Que sóis vós a beira do negro abismo
De doença e de vozes
Humanas metamorfoses
Fictícias que anseiam um futurismo

Que sempre na morte
Encontra o seu vazio perplexo
Desespero respigado em reflexos
O punhal clama a falta de sorte

O diálogo sombrio rasteja
Aos ouvidos daqueles hipnotizados
Divino acaso sedento por rituais romanizados
Do rermorso covarde que nos apedreja
Nesta missa negra.

By: Bruno

sexta-feira, 28 de outubro de 2011

Dormência


Paralisadas às vestes sonolentas
As pálpebras lentas já vazias salientam
Os poentes arrebatadores
Que deitam sob a sombra e os desflores

As vidraças choram arranhadas
Sob uma voz de abandono
As pétalas são varridas num outono
Imaginado aos soluços e acanhado

Definitivamente é com louca cobiça
Que nos sonda com olhos hostis
Estas danações indecifráveis e vis
Como um rio com água bastante corrediça
Pavorosamente sem água

Não posso neste momento que definho
Me esconder nos olhos do vinho
De certo modo, como as pequenas coisas do caminho
Eu também não possuo algum escaninho

Mordo de leve as mãos
E intensifico a mordedura
Com o desenrolar das ataduras
Distraio, ou tento, os sãos

Posto que sempre há dores novas
É uma ocupação original
Experimentá-las e não levá-las a mal
Em seguida escrevê-las ao pé das covas

À compensar, esta dor inflexível
Não esvanesce, nos forçando a adaptar
Lembranças que já não podemos captar
Do mesmo modo incompassível
Dos tempos vivos.

By: Bruno

quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Onde não há


A figura imóvel é só um vaso agora
Seu conteúdo vaga livre
Misturado à uma temperatura que amorna
A paz que neste após se entremarra

E esconde-se bem entre os mistérios
O que nos foi prometido como confortos
Um pequeno jazigo aos pés de aves absortas
Onde não há mais sorrisos, males e nem prelúdios

Não houve chuva que riscou
Vento que soprou
Silêncio que perdurou
Somente o lento estremecimento
Ao relento dos barulhos e conversas ficou

Nos lábios ressequidos e colados
Esvaneceram-se os barulhos que tanto gostava
Agora unido à natureza que tanto aclavama
Elis que cante animada naquele campo airado!

Nos pálidos dedos escorreram para longe
Os desesperos que os coravam
As agonias que desesperavam
Até a vida se esvaiu para longe

Para o sempre sem claridade
Para o nunca sem obscuridade
Para o cansaço descomedido
Para o descanso merecido.

By: Bruno

domingo, 23 de outubro de 2011

"There's no hand of preparing of the disordered hair".
- The Gazzete

sexta-feira, 21 de outubro de 2011

Noite

A noite contém emanações de profundas súplicas
O silencio nos toma com seu passo arrastado
A luz que deixa os olhos os torna tão descorados
Asas esquálidas desdobram-se de maneira héctica

As lágrimas vencidas denotam a vã luta
Que fazem meu pensamento percorrer o abismo
Todos os sentidos espiralizam sem conformismo
E acusam um ressentimento dissoluto

Paralisadas às vestes sonolentas
As palpebras lentas e já vazias salientam
Os poentes arrebatadores
Que deitam sobre as sombras e os desflores

Nós, somos o espólio que fica
Em tom insidioso nos afaga o desespero
Com doce voz, que sempre exaspera
As cinzas de uma fatalidade que como vento se espalha.

By: Bruno

quinta-feira, 20 de outubro de 2011

Après le noir

Minhas dores pingam no escuro descrevendo cicatrizes
Nas pequenas ondas que formam levemente
E desvanescem calma e ritmicamente
Dispersando as memórias já sem chamarizes

Ecoa mais uma vez indefinido
Percorrendo a escuridão caótica
Este sofrimento narcótico
A que sempre sou aduzido

E eu ingenuamente achava, então
Que guardado no fundo do coração
Estariam os sonhos que dormiram demais
E todos aqueles pensamentos a mais
Que sondam e perseguem
Exageram, entontecem e somem

Em onda este eco imenso invade
Com motivos torpes e inexatos
Abalando a razão antes tão exata
Não existe resistência a essa crueldade

A luz brutal já não alcança
Este quarto sem janelas
O olhar prostrado às telas
Da imaginação e da lembrança
Que já estão mortas.

By: Bruno

sábado, 15 de outubro de 2011

Spleen 7

Vem regelar em mim com sua vibração
A chuva que em seu ápice
Me despedaça com mão tão doce

O pentagrama que desenho em minha mão
Translada em mim o marco de outro mundo
Anematizado em forma poética

Delineia em meu espírito fraco
O sentido das coisas que quero ser
Que quero escrever, sentir

Frente à essa grotesca balada
Que retira do vento do mundo
Todo este pesar que é viver

Vertendo ao meu corpo dolorido
Mil faces, centenas de gostos
Horrores e desgostos
Demônios e falsos deuses

Já nem sei que traje impúdico vestir
A fim de lograr como um príncipe perfeito
A dança macabra que remexe estes esqueletos
Que tanto vejo e desvejo

Os temores mais corruptos como vermes
Atacam meus mortos favoritos
Como um cemitério odiado pelas estrelas

Doravante esse escombro
É matéria viva prostrada à ignorância
Ao tédio e à falta de curiosidade
Que circunda o mundo em grandes afagos.

By: Bruno

quarta-feira, 12 de outubro de 2011

Bel Air


Já não há mais sombra incolor
Que não é subsituída por prédios
Que aos céus se tornam vários assédios
O quanto se perdeu destes céus o alvor?

Eu me deixo persuadir pelas memórias
Enchendo minha alma de um valor puro
Com isso certamente eu desenclausuro
A saudade inflamatória

Que soluça aos prantos
Durante todo o passeio nostálgico
Não há nada nevrálgico
Na nostalgia mais sincera
Que nos cobre como um manto
Neste elegia que incinera

Os corações mais embriagados
Espelhos daqueles vultos que ficaram vagos
Porém jamais olvidados e que pedem para que voltemos
Pelo tempo que foi bom e que agora os querem tão castigados
Mas que se mantém os mesmos a cada trago
Do cigarro e da taça que brindamos e bebemos

A conversa que mativemos os corações amacia
Surge à tona o tempo menino
Bem no meio do soluço escrito
Eis que rompe Machado na fala que à literatura pertencia

Eis que as árvores refletidas no meu olhar
Compõem a rua que eu passei chorando e rindo
Mostrei a mim que o tempo infante era absoluto
O meu retorno àquele lugar modificado é meu grande tributo
Dotado de uma pureza e loucura simplesmente lindas
Assim como todos aqueles anos vividos sem pesar

Aquelas ruas são um jazigo amplo e repleto
Das minhas memórias pintadas à sombra do sol posto
O voar dos passarinhos para mim tem todo o encanto
Conto aqui que recebemos um envolvente afeto
Como foi valoroso este inusitado passeio proposto!
Como a infância que foi louca tem agora um ar sacrossanto!

O infindo balouçar deste lazer perfumado
Embriagou-me de essências confundidas
No asfalto mechas torcidas
De pétalas contrapondo-se ao céu nublado
De novo, aquela rua que cito vertendo-me saudades!

Vejo na saudade desta vez
Grande amiga do meu pensamento
Sinto-a demasiado neste acontecimento
Tomara que seu encanto jamais se desfaça da minha lucidez

Pois eu a faço terna e complascente
Enquanto outros talvez a tratem indiferentes
E portanto jamais perceberão que é um lamúrio do amor.

By: Bruno

(Des)sentido das coisas

I
O som da agua corrente
Me provoca um leve devaneio
Onde as copas das árvores em plêno veraneio
Florescem prateadas e sem formato aparente

Uma só luz sombreia esta manhã
O desdobre da memória marítima
E o sentido íntimo que legitima
Uma pintura artesã

A figurar no âmago como um vaso que se parte
Em mil saudosas imagens
Que saltam do além para o além como miragens
Sem justificar-me, deixo que minha alma delas se farte.

II

Que metafísica tem as memórias?
Se estas só duram enquanto há funcionalidade
Em toda parte do cérebro que tem por finalidade
Nos fazer os humanos pensantes, exploratórios
De toda a criatividade que nos colocou em civilização
Em organização e posterga nosso fim
De modo sem aparente esmo aos moldes do capitalismo
Minhas palavras toutinegram já sem ismos
Para a retórica que preciso para este motim.

O Tejo que percorre minhas veias
É o mistério das minhas entranhas
Que remaneja a cada gole o sentido das coisas
E me leva a pensar que as coisas são os únicos sentidos...
Das coisas, mesmo que sejam dispersas como a mordedura de um bicho
Mesmo que sejam finitas como nós
Mesmo que sejam oniscientes como Deus
Ainda que sejam vãs como alucinógenos
Ou acolhedoras como as flores e as ramagens

Me encontro praguejando algo que não tenho certeza
Como ter certeza de algo falso sem sabê-lo certamente?
Penso agora em grandes montanhas, grandes mesmo
Tão grandes que seu gritasse, elas não escutariam
Indiferentes de tão grandes, indiferentes e arrogantes
E eu cínico querendo ser visto, apreciado, sei que não sou
Afinal sou tão diligente quanto sou ébrio, então nem sei
Tenho receio, leitor, de que na dialética, perder o efeito
Pior, de perder o sentido, sei muito bem que falava do mar
Algo saudoso e tudo mais, mas agora inespecifico pensamentos
Pensamentos que constantemente bruxuleiam minha mente ébria
Como uma caverna preenchida pela maré
Dói erguer o olhar e o destino ser avistado como um leviatã apodrecido
Mosqueado de incertezas e pavores que nos rondam
Como rondam os delírios martirizando a sanidade dos loucos
Em busca do fim do efeito dos opiáceos
E assim bebo em cima de remédios e me repoltreio nos incêndios
Da minha inocência, da minha breve liberdade e da minha constante insanidade!

By: Bruno

quinta-feira, 6 de outubro de 2011

The cat burial

A luz da manhã ilumina um corpo dormente
Sob o asfalto cru adornado por pétalas amassadas
Ele tem frio, percebe-se pelo olhar triste e calado
Sem vestígio uma vida foi tomada indelicadamente

O sangue misturado com a luz do sol fraca
Tinge aquele pelo branco desarrumado
O viver se perdeu da vista desconfiada
A desolação possui uma cor opaca

Aquela alminha atlética
Jamais verá de novo o ar da noite
Olvidado pelas almas rachadas e ao açoite
Das sensações fúteis e heréticas

Alma posta num devaneio tão solitário e tórrido
Devaneio que nem separa esta vida da morte
A um longo olhar verde cume dotado de realismo
A inexistência configura algo tão aleatório e sem sorte

Agora não é mais matéria viva
A bradar por noites e pernoites sem malícia
Deus tem piedade desta longa miséria
Não deixe que o vazio aquela pureza arquive.

By: Bruno

terça-feira, 4 de outubro de 2011

Meses de chuva


Nestes bons meses de chuva
Eu sinto as gotas amadas caindo
Como o vinho que coadjuva
As melhores ideias pipocando e fluindo

As estrelas trementes dividem seu lirismo
Semeado nestas modestas rimas indiscretas
Que contam histórias que rangem como gavetas
Quando se abrem para contar seus cinismos

Vultos fantásticos e arbóreos
Mais impressionantes que o carvalho mais escuro
Condecoram estes êfemeros traços de existência corpórea
Com suas sombras e assombros, manias e algazarras mais obscuras

A luz que é refletia naquele rio sujo
Conecta loucamente as gramas e extratos arbustivos
Da margem à sua vida fluente e corruptiva
Lenta e provocativamente como um caramujo

Nestes bons meses de chuva
Somente o frescor ácido dessas gotículas
Agitam do coração, minhas aurículas
No alcoolismo langoroso das melhores uvas.

By: Bruno

domingo, 2 de outubro de 2011

A ballad of a deep desire

É antes da solitude que minha alma é doente
Quisera que, exalando aromas de saúde mental
Sussurasse sílabas que formassem algum reino venal
Para que o amor, grande afluente;

Derramasse seu punho despótico e irado
Sob a forma de grandes olhos esverdeados
Sem as purezas falsas e taciturnas
Para que nas minhas visões noturnas

Não sejas todo delírio e mania
Como minhas sílabas que fluem em cadência
Dos meus ferimentos ébrios e dessa fúnebre cantoria
Que passeiam neste coração triste com tanta dolência

Respirando como ressequida rosa
Quero afundar meus dedos trementes
Nos teus cabelos inconsistentes
Que me encantam de forma tão criminosa

Assim engolindo meus arquejos mudos de súbito
Afogarei minha aflição e meu lamúrio se permitir
Posto que o meu fervor onírico atiça minha súplica
Colocando dócilmente a cabeça em teu ventre, se para tal me coagir
E dormirei um sono doce como a morte
Ah, que sua paz para sempre me reconforte!

Não quero apenas invocar tais horas ditosas
Em um sonho distante, é uma clausura
Quero algo além da formosura
De um amor de sensações várias e langorosas

O que eu almejo é uma paz indefinida
Sem alvorossos que eclipsem minha aventura
Nem mais a loucura que atravanca infinda...

By: Bruno