quarta-feira, 27 de abril de 2022

Pórtico

 


Eu parti da pátria de palavras,
Deixei meu castelo imaginário:
Em um pequeno barco sem velas,
Sem bússola, orientado apenas
Pelo ruído luminoso das estrelas

Sem qualquer saudade das areias,
Onde morri vazio e esquecido; 
Envenenado com a verdade.

Havia a solidão da prece
A me esconder do marulho
Das ondas revoltas;
Na tentativa de quebrantar
A queimadura das anémonas 
Em minha pele recém imersa

Busquei-me nos coloridos corais 
e nas espumas tonteantes
Para evitar os meus desertos,  
Densos de chacais a devorar
Os meus silêncios e laivar
De rubro, o mármore do meu altar.

Naveguei esculpindo meu destino
Com os gestos de vida que recolhi
Nas poucas pétalas de imanência
De minhas jovens primaveras

Foi quando avistei uma nova terra 
De extensão tão infinita quanto 
Uma doce constelação desconhecida,
Como se os búzios revelassem os sons
Do primeiro oceano de um planeta

Aportei em uma exuberante floresta
Cujos tons se iluminam com ideais,
Florescendo de seu delicado desenho:
Aqui, neste espaço de pura luz 
O tempo se dilui gracioso

Eis que, apaixonadamente me encontrei
Em liberdade.

Bruno Borin Boccia


sábado, 16 de abril de 2022

Páscoa

 


Entre árvores escuras e caladas
O céu do meu delírio ardia rubro
Senti como se tudo se extinguisse 
Como se o mundo inteiro se calasse
Em cioso suspense e agrura 

Vagueando sem nome e sem ruído
Apaguei a máscara vazia e vã
Pois, consumida de espanto
Apertava o meu rosto secreto 
Envolto em nevoeiro e negrume

Foi quando me dei conta das cores
A noite se acendeu em miríade de luzes 
Encontrei numa pequena clareira 
Refulgentes ovos, bênçãos de Ostara
E me dei conta, de que a vida habita
Dentro do meu sorriso.

Bruno Borin Boccia

Súplica à Perséfone

 


Defenestrado da mais alta torre
Profanei com minhas espantosas
Formas, a crueza aguda do oceano

Ausente e dividido, à vaga imagem
de Perséfone com sua coroa de narcisos:
Rezei para que não me permitisse engolir 

As águas do Lete, para que eu viva
No sal das lembranças a potência
De aceitar a incerteza e me lançar

Sem passado, sem futuro, apenas
Presente, para que enfrentasse
Os homens com bisturis e anestésicos

Rezei para que sua amarga versão Ceifeira, 
Com manto negro e coroa de Papoulas
Me poupasse de minha própria escuridão!

Sim, eu vomitei as águas do Lete
Pois a solidão da lembrança me constitui
E uma vez talhado ao meio, eu canto

O que Sibila alguma jamais ousou cantar:
Os instantes que não vivi junto ao mar;
O instante em que, banido, me encontrei!

Bruno Borin Boccia