quinta-feira, 21 de agosto de 2014

Heresia



"Tal me alta na vida a lenta ideia voa
E me enegrece a mente, mas já torno 
Como a si mesmo, o mesmo campo, ao dia
Da imperfeita vida" - Ricardo Reis

No princípio era o verbo
E não havia gestos ou voz
As ações eram a única foz
Da virtude e alento fraterno,
Da expressão do mundo interno

Na gênese da rutilante quimera
A ambiguidade assumiu forma serpentina
O que foi dito, em abrupto repentino
Traçou irrevogável a escolha qu' impera
E consolida a eterna Babel da linguagem

Como fruto da árvore da ciência 
Tantas foram as erigidas ramagens
Da dicção e do florir da consciência
Que, irreais, nos apartam de nós 
Em réplicas, tréplicas de paradigmas

Mnemósine, destituída, é algoz
De nossas remontadas estórias, rimas
Que ao encaixarem mutilam as dores
Do sentir que padece em infinitos horrores
Traduzidas inflamam com Sensações ferozes

Das melodias que nosso eco nos traz
Desde o princípio desta vertigem
Consolidando ao renovar idiomático
O arquétipo arbóreo e assintomático
Da decadência que Ele nos aflige
Por termos roubado não só a flama
Mas a colocado em nossa escrita.

By: Bruno

domingo, 17 de agosto de 2014

O passar


Compartilha do teu fardo,
Abdica da tua dúbia sofreguidão.
- Sê apenas, em vez de querer 
Fado ou samba, é melhor cantado,
O sonho perdido ou a luta vã
Co' a energia do povo unido,
Co' a jovem melodia do sentir
Scuta e apreende dos passos dados
A verdade do fiar cerzido:
A memória é irrisória 
A menos que evocada 
Co' a saudade de um futuro. 

Lua nasce, lua morre,
A vida é a mesma,
Só mudam as forças
Ora fracas, ora fortes,
Conforme a oscilação 
e movimento dos sonhos.
Quem dá o provimento, 
Não tira muito proveito;
A visão é sempre turva,
Mas os ouvidos aguçados,
Novidades permeiam
Na premência, sorteiam
Vagos, a vida absorta de Deuses
Mas cheia do símbolo da cidade
- Se se tem futuro, não é agora
- Se se tem agora, não é futuro. 

By: Bruno

segunda-feira, 11 de agosto de 2014

Mensagem à Jack Frost


Quadra das brumas, do profundo neblinamento
Amigo íntimo da geada e que suspira os respingos
De brancura e dos modos abruptos da nevasca
Tonto de vodca ou de tantas travessuras, manténs
A tortura das horas afastada e, Teu gosto ao divertimento
Nos vale reminiscências do desconhecido, eu bem digo
-As canções de inverno têm uma melodia nefelibata,
Nuvens leves ou pesadas, não importa, elas somente 
Podem compor, à orla do pensamento, prolíficas canções
Para confortar os corações aflitos, tornando-os valentes;
Preparados para os acessos de melancolia das monções".
-Mas e Tu? Agora que Tua estação se aproxima, nos vaivéns
Do tempo, ao alentar os furores d'inverno, Teu encanto cresce...

Mas o silêncio das ramagens mesmo propiciando abrigo
E sonhos doces, para esses escuros dias, este calmo alento 
Se mostra suficiente? Árvores tecendo a dádiva das sombras
A relva tramando os malditos caminhos na tenra alfombra...
Tu'alma não está cansada do saber ancião dos Carvalhos sonolentos? 
As Glicínias, tão azuis quanto Teus olhos, são o acolhedor jazigo
Deste poema, o doce murmúrio das Tuas lágrimas de saudade
Me dizendo o quão solitário és, sem ninguém o ver!
Nem do Valhala vem esta explicação a vos benfazer,
E tudo é crepúsculo ao tom dos labirínticos laços espirituais,
Inda, nenhum humano o viu além do enlevado traço na neve;
O talhe perfeito, as peripécias no gelado clima, da flor o olhar
Que eu queria ter, pois o que sei não passa de um fusco ao fim dia!

By: Bruno

Canção do recortado


Sou um recorte tirado
Das páginas secretas da vida
Rascunho revirado, remontado
Composto de letras perdidas
Incapaz de amar o amor
Surpreso com o misto torpor
Das entrelinhas envolvidas
Por estrelinhas enternecidas

Colocadas em discreto santuário
Imersas num imenso vocabulário
Quadras que conectam o desejo
De harmonia, em belo ensejo
De quebrar o sacrílego conforto
Da pureza em braços de vidro
Envolvida - Retrato do grito 
De horror de um anjo morto

Ah... Prelúdios de agonia
Como emoções tão justas
Podem nos revelar a apostasia
Das ambições mais augustas?
Vestidos de ecos, meus murmúrios
Borrifam os delírios vistosos
Como muitos oásis virtuosos
Que meus desertos tornaram tugúrios

Cheio de fins, as emendas se derramam
Em tantos sonhos, tantos gostos
Que um sôfrego reviver me é imposto
Diante das baças visões qu'emanam
Até que, o pesar dos lânguidos silêncios
Perturba meu pensar almejado 
Avultando a estéril flama de escárnios
A esgar meu aprendizado alçado

Meu único refúgio, ao se tecer 
Consome do meu sangue o alimento
Para, ao revelar os algozes, arrefecer
Sob o peso dos Hinos como meu alpendre 
As melodias que tocam nos templos
Do meu sentir, adornado com êmbolos
De um maquinário exausto de saudades
Decompostas por olhos imersos em escuridades.

By: Bruno

domingo, 3 de agosto de 2014

Meu gostar


O meu gostar é uma constelação
E cada estrela constitui os ossos
Do meu pranto; do meu mergulho,
Onde cada palavra leva o doce tugúrio

Do sentimento abruptamente sepultado 
Dorido avulto, calmamente leivado 
Pelas mãos da vindoura sensação
Descoberta por enleios da não-ficção

A tramitar veleidades transpostas
De velhas emoções, opções indispostas, 
A completar as novas feições transfiguradas

Chovendo significações desapegadas
Ou afetuosos afastamentos das respostas,
Estilhaçando as parcas ambrosias arrematadas.

By: Bruno