Minha pátria é onde os prédios impávidos
Denigrem a vida dos homens, e estes nada sentem,
Vivendo em simulacros de sonhos esquálidos,
Tendo sorte no azar, ao negociar a vida
Nos bancos, consignando em suas hipotecas
O lucro dos capitalistas e seu desprezo por bibliotecas
Minha cidade tem um céu tão inocente
Que recebe as fumaças alegremente,
E nem imagina que está ficando todo asmático,
Continuando a mostrar uma ou duas estrelas
Guardando o resto delas em seu egoísmo infante
Reservando para si as musas mais belas.
Na minha terra, as poucas árvores apostam corrida
Com os metrôs lotados, numa manhã florida
Enquanto o sol mata de sede os vagões estacionados.
Num rigor planetário, os aviões nos perpassam
Pousando sua constelação parafusada
Nas lâmpadas que em seu caminho se avolumam.
E nos alimentam, os supermercados
Com uma flora e fauna pasteurizadas,
Requinte químico da modernidade cancerosa;
E alimentados seguimos nossa jornada fadigosa
Perseguindo a eternidade - vagão sem trilhos
Que jamais alguém embarcou para ver frondosa
A paisagem cinzenta onde demolição e construção
Se confundem em um mesmo feitiço
Não podendo ser resumidos a um cálculo inteiriço,
Embora as pombas sobejem um firmamento reconstruído
Voando com suas penas sujas de graxa e óleo de motor
Tudo o que elas encontram são seus ninhos combalidos
Pelos homens que as têm como roedores praguentos
Sem ao menos ter semelhantes, qualquer traço ou odor
Apenas bicos rústicos e pezinhos nojentos...
Nas feirinhas, todos compram uma Vênus de acrílico
Para dar de brinquedinho às menininhas,
Antes que os fiscais confisquem os lucros fatídicos,
Enquanto muitos aguardam a permissão do semáforo
Para respirar novamente o monóxido de carbono
Que nos carbona as hemácias sem qualquer abono...
Na volumosa e líquida São Paulo, as estações
Não chegam a borrar as inflações do Real;
Os helicópteros patrulham os acidentes feito arribações
E a vida é orgulhosa como um defunto putrefato
No paraíso dos homens, o happy hour leal
De cada dia desprovido de sentido translato
Na metrópole, minha terra, eis o fato
Não passo de um punhado de algarismos
Sou um, sou todos, como dizem os meus aforismos
Amo, recebo, compro, como, sou estatística
Preencho um cadastro, passo a existir
Com ou sem metafísica.
By: Bruno