domingo, 30 de novembro de 2014

Soneto do desver


O Mundo não se fez para pensarmos nele
(Pensar é estar doente dos olhos)
Mas para olharmos para ele e estarmos de acordo...
 - Alberto Caeiro


Baço pode ser o horizonte de minha visão,
Porém infinito é o oceano do meu coração.
Não preciso de determinadas aptidões
Para alçar voo ao recanto das imaginações.

Para onde vão, ninguém leva seus primores,
Mas quem onde está não quer colecionar amores?
O que quero eu da vida? Senão cantar os licores
Que me afastam os temores, e me apregoam valores..?

Prefiro não saber o conteúdo das partituras
E cantar sem comedimento as iluminuras,
De que oiço falar os deuses e suas vindimas!

O que são dos céus afinal, além de vagas pinturas
E dos passos então, alfombras de torturas?
De fato, se o soubesse não cantaria minha própria desestima.

Bruno Borin

segunda-feira, 24 de novembro de 2014

Assim faz a poesia


Algo existe num dia nublado e de leve vagar;
Algo que me impele a lentamente fustigar

As paisagens e fazer sobrar as ideias, 
Seja acalento ou indiferença, a candeia

Responde, inquisitora ao que apenas observo
E mesmo receando velhas imposições, o apego

À palavra me desfaz a escrever, como se um guia
Tivesse, a auxiliar esta complicada travessia

Com a imaginação tão viva quanto a experiência
Invivida, vou a tecer um caminho de reticências...

Pública, como uma névoa a se espalhar
Criativas, as palavras, pela mente a se assentar

Assim faz a Poesia; cerze verdades por desmedidas,
Desponta realidades onde deságua a fantasia,

Compondo das luzes que se derramam
Os silêncios que pausadamente emanam

Das muitas vozes dos homens que, em rotinas
Se prenderam, vestindo-as como opacas cortinas

Fazendo de seu sentir uma sede desenhada
A ser saciada em fontes há muito escassas...

Talvez por minha visão baça, os dias passam
E o cinza fica, a tornar minha alma tão colorida,

Pois no olhar que tanto, tanto procura
Está talvez alguma desconhecida cura...

Bruno Borin


quinta-feira, 20 de novembro de 2014

Elucidação


Peguei do meu coração atado
E pelos vagões da memória o levei
Até que, no instante inexato
Da tênue desmedida, o depurei;

O depurei das ecoantes solidões
Que lavam de presenças encrustadas,
A alma da gente, vertida e ignorada,
Com dolorosas e pacientes emulsificações.

E pensando nas dolentes significações
Fico suspenso nas promessas que cometi
E que ao decorrer do endurecer, inadimpli
Percebendo o quanto cedi das próprias proporções.

Trancado, junto aos poemas que jamais escrevi
Pairava em mil sóis tão salobros, que o código
Que eu portava tão inconsequente e pródigo
Em profuso palor se verteu, raptando tudo quanto vivi

Me apartando da fluidez do tempo e espaço
À maneira da metáfora mais vívida, a vida mais baça,
Mesmo sem ponta solta, amortecia minha queda
Que era como mergulhar na interior alameda

E debruçando inocente, sobre mim mesmo; 
Tomando o papel principal do espetáculo
Jamais incutia o primogênito receptáculo
Da vida que eu levava a um certo esmo

Pensando ser normal ter os horizontes desbotados
E carregar culpas mais brilhantes que as estrelas
Deixando que elas falassem em nome das minhas trevas
Que, escancionadas já se apresentavam desbravadas...

O que fazer com tanta vida? - Hoje me pergunto
Quando realmente "não posso" - A tudo avulso,
Comungar da beleza, os sonhos e a sabedoria
Trazendo à minha vida, o que há de mais livre, a alegoria...

Bruno Borin

terça-feira, 18 de novembro de 2014

Promessas


Tantos mundos prometidos
Permeiam os desejos repetidos
Por horas, os quereres infindos
Assumem discursos tão lindos

E contra estes apenas o peito
Contraído, como se se doesse,
Condoído pelo inquirir estreito
E com receio, como se se perdesse,

Não sei se por retórica ou inanição
Me cai como a Sísifo caiu, em rolamento
A vontade de fuga ou a mera inação;
E a penha como elevado arrebatamento

Com o mesmo teor que não enlaço
Minhas pequenas certezas, 
As minhas ousadas transcendências
Se devem ao suspiroso embaraço

Quisera eu ser de Olás tanto 
quanto sou de Despedidas...
Quisera eu ter a rebeldia 
de quem muito amou 
e juntou as mãos atrevidas...

quarta-feira, 12 de novembro de 2014

Transver


À luz do vinho
é céu ou delírio, aquilo
Que, feito linho

Risca o pergaminho
Do meu destino
Feito um raminho

Que pulsa, hirto
Em tortas ramagens 
Tecendo mortas tatuagens

Amorfas, tal fátuo
Lume, o da inspiração
Que jamais respalda a respiração.

À luz do vinho
É no céu do meu delírio, que avisto
O verso do meu caminho.

Bruno Borin

Lapsos


Tão denso é o ritmo da vida
Que nem percebemos os batimentos
Dessa lépida desmedida

Mouco tempo para tantas cores;
O mero decifrar dos acontecimentos
Nem arrefece o denso ramalhete de dores

Transbordante é o caminho de se ir embora
E o ranço de olhar a não-volta que faço
E constatar a conspiração em que me embaraço

Sei os gestos todos, sei das certas maneiras
Mas não sei se meu próprio cansaço
Pulsaria contra todas estas vagas e faceiras

Formas embevecidas das muitas maldições 
Que digo carregar, e que dizem me levar
Sejam elas reais, ou somente invenções...

Bruno Borin

sexta-feira, 7 de novembro de 2014

Trancado


Quando foi que girei as fechaduras
E me tranquei dentro de tantos outros
Estes tantos quartos sutilmente salobros
Com suas escuridões tão, tão duras...

Tão escuro, tão firme, quanto presente
Este Outro: pés, mãos e rostos indispostos
Que fito perplexo: Olhos que não me sentem 
E Sou tão sólido quanto meus suspirosos 

Eus, que também são Outros, pedaços
Extraviados, feitos de pano tão garboso
Que na tentativa de me descobrir, ouso,

Mesmo temendo o material, com baços
Tateares, sentir o frio que em verdade
Era meu antes mesmo de ter multiplicidade!

Bruno Borin

quarta-feira, 5 de novembro de 2014

Embora cair seja a regra do novo mundo...


Me visto de outono
Para colher os estranhos buquês
Que nascem no solo do meu espírito...

Mesmo em estiagem
O choro é o regar;
O chover, o reger 
Da sonhada orquestra

Raízes alastram-se agradecidas
Folhas zombam penduradas
Meneando uma dor
Que nem anjo caído entende

Mesmo em estiagem
A lágrima é o pulsar
E o orvalho, o manchar
Dessa eterna festa

A estalar nos fragmentos 
De meu interior propenso
À intensidades errantes
E à calamidades itinerantes

Ora ermo, ora aurora
Procuro, desarranjado
O que fui outrora...

Bruno Borin