Quantas tardes, cabem numa tarde?
Sem despertar o tenso alarde
Nas árvores que, pousadas nos pássaros
Abrigam a cidade em seus verdes escassos.
Coberta de nuvens e de fumaças carbônicas
A vida qualquer segue, trilhos adentro
Paralelas aos ventos soprando densos
Feito pianos dolentes e pirrônicos.
Nem onomatopeias mais carregam
As locomotivas, só a vida sofrida
Da cidade em seta de única ida,
Enquanto as corporações prosperam,
As rotinas condenam, aventuras lícitas
E o chilreio do lucro, sorri
Enquanto eu mil vezes morri
Diante dos trilhos que principiam solícitos.
A minha aventura, que existia sem mim
Partilhada pela teoria do macio capim,
Efêmero e longínquo, campo sem fim
Hoje substituído pela trilha férrea
Muitos são os dias que cabem num dia
As tramas dos bichos urbanos, assim eu lia
Em seus silêncios vertiginosos
E sombras, deduzivelmente telepáticas.
Com a morte misturada na garganta
As pétalas florescentes surgem
E ignoradamente, fulgem
Sua pequena cosmologia de planta,
E um urubu, esgarçando-se nas nuvens
Não contrasta em nada com o mercedes-benz
Do executivo que negocia o espólio da morte
Do capitalista, que não teve da vez a sorte.
O que falar então das noites poucas
Para tantas horas de sono esquecidas
Enquanto nossos morcegos barganham
As vozes que preferimos tanto moucas,
Que a natureza fecha os olhos coloridos
E as neuroses se tornam nossos alaridos
Tão perpétuos quanto seus bichos guardados
E seus córregos imobilizados.
Escorrendo de nossos vulgares dedos
Como se o tempo se misturasse ao medo
E ao cisco que invade o olho ardido
Dos que têm suas retinas vendidas
Ao processo de amanhecer amontoado
Nos trens que percorrem sem metafísica
Apenas o suor acumulado
Durante toda a vida tísica
Da metrópole, onde a vida jorra
Arquitetura auditiva
Eternamente remoldurada
Sem jamais pensar, na Via-Láctea
Essência latente da mentira humana.
By: Bruno