I
Abre-se o caixão onde repousava
Uma alma qualquer que pelo mundo andava
Mexe-se calmamente na ossaria
Sem nenhuma romaria
E então remonta na mente
A memória penitente
De uma vida passada
Por lágrimas acalentada
Corpo acometido de terrível doença
Recebeu do destino uma dolorosa sentença
E o seu perfil se torna um saudoso vulto
Como santo de altar esquecido, sem culto
E eis que de imaginar não evito
Perseguido pela minha sina de maldito
Retumbando um clima incisivo
Bordado pelo pensamento do ausente infinito
Então entendo que meu peito mais dilacerado
Não fica, permanecendo eternamente exulcerado.
II
Sim, já ouvi um vez a Tua trombeta
A ecoar pandêmicamente pelo planeta
Como o suspiro que me prostro a imaginar
Por qual mar seco, por qual árida terra, irá ecoar!
Tu que encaminhas aqueles que na luz padecem
Tu que persegues os vultos que desaparecem
Conheço o galopar do teu cavalo baio
Que esparge a cada trote, como um raio
O miasma esquálido da decomposição
Enquanto murmura teus satanismos além da compreensão
E eu deliro com o vislumbre puro
Com a tua sombra costato e me torturo:
A rigidez cadavérica
Da tua fronte esquelética
Boceja arfante
Frente ao fato gritante
Suspirando putrefação
Exalando a contaminação
Dos solos, das águas, das memórias
Sinto do Tigres, do Eufrates e até do Nilo a miséria
Que teus passos mordazes
Causaram, acompanhados de vários Satanases
E assim a tua lida foi, pelo tempo perpetuada
Fardo terrível esse que estás alçado
Tanto tempo neste divagar medonho
Aposto que já não distingue mais realidade de sonho!
III
Cavaleiro eu te reconheço
Preso no amargo preço
Da espiral cármica
Emanada da energia cósmica
Ciclo inquieto e nada secreto
Eterno porém efêmero
Fonte do teu desespero
Inquebrável decreto
Por isso arfas bocejante
Martirioso, ansioso, pesaroso
O tempo é teu adorno degradante
E tua espada que risca o ar de escarlate
É a única que compreende o teor penoso
Da tua sina em constante disparate.
By: Bruno Borin