terça-feira, 8 de outubro de 2024

A última balada do homem carinhoso

 


Alma minha gentil, que te partiste

Tão cedo desta vida descontente,

Repousa lá no Céu eternamente

E viva eu cá na terra sempre triste.

- Luis de Camões


Havia um doce e charmoso moço

D'um carinho sedutor singular;

Com pungente aroma de carburador

Adornava-se, e ia muito vadiar

Nos telhados, ostentando impudor

Miava alto, pleno de gracejos, esse moço!

Gatinho tirado para a indolência

Vivi tudo da forma que quis,

Até acusado fui do que não fiz

Miei forte quando carinho pedi

Sempre fiel a minha doce essência

Porém o tempo bradou o meu nome

E nos braços da Deusa, fui conhecer

A árvore da vida e a origem do cosmos.


Bruno Borin Boccia

Em memória de Paulinho



quarta-feira, 30 de novembro de 2022

Quartzo Rosa

 


Foi no Teu sincero amor
Que encontrei acalento
Para o meu estro sonhador:
Aprendi que meu talento 

Pode, maior que o lamento
Se tornar; música mansa 
Essa doce tela, a esperança:
Uma dança de ritmo intenso!

Cristalizado em róseo adorno
Meu entoar encontra na ramagem
Da florida cerejeira, o contorno!

Espero que seja a gentil delicadeza,
De nosso sentimento forte insígnia
E represente a tua ínclita beleza…

Bruno Borin Boccia


sexta-feira, 13 de maio de 2022

Primeira Primavera

 


Em um dia frio de maio
Um novo sentimento desabrocha 
Como pequenas pétalas 

Balançando calmamente
Ao murmúrio da brisa de outono 
A sakura derrama o seu amor

O toque de suas mãos
Em minha tez gélida 
Aquece o meu coração 

Este terno momento
Se tornando uma doce memória
Faz meu sorriso aparecer

À plácida luz do luar 
Dois passarinhos nos observam
Recolhidos em seu ninho

Nuvens de cores
Recortam a paisagem
Desenhando nossos passos

Juntos dançamos
Nossa primeira primavera
Em um doce outono...

Bruno Borin Boccia 

quarta-feira, 27 de abril de 2022

Pórtico

 


Eu parti da pátria de palavras,
Deixei meu castelo imaginário:
Em um pequeno barco sem velas,
Sem bússola, orientado apenas
Pelo ruído luminoso das estrelas

Sem qualquer saudade das areias,
Onde morri vazio e esquecido; 
Envenenado com a verdade.

Havia a solidão da prece
A me esconder do marulho
Das ondas revoltas;
Na tentativa de quebrantar
A queimadura das anémonas 
Em minha pele recém imersa

Busquei-me nos coloridos corais 
e nas espumas tonteantes
Para evitar os meus desertos,  
Densos de chacais a devorar
Os meus silêncios e laivar
De rubro, o mármore do meu altar.

Naveguei esculpindo meu destino
Com os gestos de vida que recolhi
Nas poucas pétalas de imanência
De minhas jovens primaveras

Foi quando avistei uma nova terra 
De extensão tão infinita quanto 
Uma doce constelação desconhecida,
Como se os búzios revelassem os sons
Do primeiro oceano de um planeta

Aportei em uma exuberante floresta
Cujos tons se iluminam com ideais,
Florescendo de seu delicado desenho:
Aqui, neste espaço de pura luz 
O tempo se dilui gracioso

Eis que, apaixonadamente me encontrei
Em liberdade.

Bruno Borin Boccia


sábado, 16 de abril de 2022

Páscoa

 


Entre árvores escuras e caladas
O céu do meu delírio ardia rubro
Senti como se tudo se extinguisse 
Como se o mundo inteiro se calasse
Em cioso suspense e agrura 

Vagueando sem nome e sem ruído
Apaguei a máscara vazia e vã
Pois, consumida de espanto
Apertava o meu rosto secreto 
Envolto em nevoeiro e negrume

Foi quando me dei conta das cores
A noite se acendeu em miríade de luzes 
Encontrei numa pequena clareira 
Refulgentes ovos, bênçãos de Ostara
E me dei conta, de que a vida habita
Dentro do meu sorriso.

Bruno Borin Boccia

Súplica à Perséfone

 


Defenestrado da mais alta torre
Profanei com minhas espantosas
Formas, a crueza aguda do oceano

Ausente e dividido, à vaga imagem
de Perséfone com sua coroa de narcisos:
Rezei para que não me permitisse engolir 

As águas do Lete, para que eu viva
No sal das lembranças a potência
De aceitar a incerteza e me lançar

Sem passado, sem futuro, apenas
Presente, para que enfrentasse
Os homens com bisturis e anestésicos

Rezei para que sua amarga versão Ceifeira, 
Com manto negro e coroa de Papoulas
Me poupasse de minha própria escuridão!

Sim, eu vomitei as águas do Lete
Pois a solidão da lembrança me constitui
E uma vez talhado ao meio, eu canto

O que Sibila alguma jamais ousou cantar:
Os instantes que não vivi junto ao mar;
O instante em que, banido, me encontrei!

Bruno Borin Boccia

segunda-feira, 28 de março de 2022

Displicência



Até hoje naveguei neste corpo sensível e modesto
Como um canal de meus ideais vagos e lestos
Tenho cortejado a vida como um feito fascinante:
Nunca me preocupei com a anatomia lancinante

Que se resguardava silente em meu interior:
Nas vagas dormências do meu íntimo gradeado
A válvula cardíaca amainava sua função maior!
Demanda a troca; os médicos e seus palavreados...

Desde então, em meu leito, negras aves de rapina
Sobrevoam-me mostrando suas garras assassinas
Dilacerando em vastos gemidos as minhas flores
Tornando a minha amada primavera em dores!

Me sentindo mergulhado na maníaca hediondez
Numa trama que não é minha, abandonado
Ando sentindo o coração deveras fustigado
Trôpego de tantos ais e de tamanha languidez

Já não sei mais se almejo pressagos ou flagelos
Dissociado das essências da escrita e da beleza,
Vago no neblinamento confuso dos diversos infernos
Diluído entre o quase operar e o anelo da brabeza...

Bruno Borin Boccia

quinta-feira, 7 de novembro de 2019

Estrição



Meu coração está borrado
Desaprendeu a ler a  cor do céu,
Perdido no sintoma tresloucado:
Um Acorde fazendo escarcéu!

Eu não sei ler esta partitura!
Maldita hora de não saber
A configuração da agrura:
Essas correntes a me tolher.

Posso apodrecer agora mesmo,
Sem nem acontecer nada!
A lua assistirá esse pesar a esmo,
Como se ouvisse uma tocatta

Não posso nem consigo dormir
Para não querer trocar o real
Pelos meus sonhos de não existir:
Preso entre meu ideal e o ritual,

Que transfigura tudo que aprendi
Onde não sobra um valor sequer
Não sei dizer adeus em guarani
A tudo que gostaria de defender 

Mal deste mundo que tudo quebra.
Muda, também germina a podridão;
Escurecido está o jardim e a gleba
E eu não quero participar desta infecção!

Onde lograremos como Lídia e Caeiro,
Se o céu e a terra apagam-se da vista,
Tornam-se fantasmas num formigueiro;
Quando já se tem como perdida a conquista?

Onde se compra a máscara dos dias gastos?
Em qual lugar o vento leva os mil cansaços?
Quero descansar meus secos caules lassos
Na nostalgia das ondas e dos calmos pastos...

Bruno Borin Boccia

sexta-feira, 4 de outubro de 2019

Expectativa


Venha, te receberei como as árvores
Recebem a querida primavera!
Trocarei as lágrimas por doces olores
E novamente nadaremos juntos
Como um casal de patos-mandarins
Pelos jovens rios de nossa vida.

À sombra da Pitangueira florida
Conduzidos pelo veraneio prematuro
Escreveremos novas memórias.

Bruno Borin

sexta-feira, 3 de maio de 2019

Afeição


Por querer ver sempre teu olhar reluzente
Quero com vinhos e nenúfares te alimentar
Abdico do meu fado para mais refulgente
Perfurmar teu caminho e, tua sede acalentar

Com piedoso afeto, suavizarei os caminhos
Para que vivas sem os tiranos do costume,
Porque tu és meu coração, és o meu nume
Então faço de minha vida, teu lenitivo ninho!

Cevando a saudade que sopeia meu coração
Coagulo estes nós infaustos em enamoradas
Láureas sobre o teu ser, em total devoção!

Tal como Camões cantava, quero te cantar
Na incerteza de trazer-te algum suave lume
Mas na esperança de teus males amainar.

Bruno Borin Boccia