domingo, 22 de fevereiro de 2015

Tabulação


Sou um recorte tirado
Das páginas secretas da vida
Rascunho revirado, remontado
Composto de letras perdidas.

Rasguei uma nuvem,
esqueci que existo.
Diante do imprevisto
e da poesia não vem.

Com tanta cor escrita,
perdi a minha, nesta infinidade
E esse prisma que invade,
não me quer, não me acredita.

Fustigado, entre os entulhos 
de mim mesmo, cheio de marulhos.
Não sei o que pretendo encontrar
Se o corpo que não posso saciar,

Ou a alma que tento alimentar.
O que fazer com a paixão,
Escandida com admoestação?
Um amuleto antigo a se corromper

Ou um punhado de versos
Que jamais hão de resumi-la?
Mesmo com tantos esmos
Talvez não consiga abriga-la.

Muito perdi sem ter jogado,
Colho do olvido os suspiros 
Do luar solitário, sem ter amado,
Meus gestos não compreendidos.

É amargo ver as moções desperdiçadas
Em um cotidiano sem colheitas.
Sempre, em sensações remendadas,
Promessas caem, um outono à espreita.

Vida e memória são da mesma sebe
Germinadas; daquilo que se vive
Pouco realmente se concebe
Sem pormenores, inclusive! 

Gastei meus discos solares
Querendo apenas viver,
Mas, dos variegados ares
Pude tão pouco saber...

Bruno Borin

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2015

Palavreado moderno


Essa vida touchscreen vai nos conduzindo
- Seres de toques, tudo na ponta dos dedos
Livros, jogos, pessoas e  até mesmo os medos, 
Estes tantos affairs modernos nos reduzindo...

A magia do apego a si, às coisas e às pessoas, 
É a mesma do desapego a si, às coisas e às pessoas;
Entre as vidas florescem as indiferenças enumeradas
Como a mais pura das espúrias, virtudes plantadas

Das lívidas memórias, amor, passado e futuro, tudo
É o mesmo no conceito, a vida das telas, contagiosa 
Tão vívida, se esboroa no menor delete, prodigiosa
No mais descabido aceite, e a total potência do mudo!

Tantas doces faces, cada uma mais singular e única,
Todas pensando serem singulares e únicas
E ninguém disposto a vestir a umbrosa túnica
Do espectroso silêncio a contemplar severo olvido.  

Meu coração já não conta quantos altares 
Para nenhum devoto, tantos deuses enaltecidos.
Quando voltarão a ser meros fiéis ao real nenhures,
E se comportar como os eternos esmaecidos?

Bruno Borin

domingo, 15 de fevereiro de 2015

Imaginário


No céu do meu delírio, cor é música
Fecundada nas tintas dos sentidos; 
Verdades infeccionadas de revertidos
Teoremas, pura tradução e mímica

Do olhar distante e prosaico das flores,
Preocupadas apenas com seu colorido florir,
Como se da vida bastasse o singelo sorrir,
Matizando com ideais os tórridos palores.

Fazendo assim descansar os corações,
Do indomável e traumático espetáculo;
Tornando a sensibilidade o receptáculo

Da vida polinizada com pétalas, prismas
De poesia, - a mais raras das monções,
Que aplaca as reais inanições das cismas.

Bruno Borin

sábado, 7 de fevereiro de 2015

Da escrita


Poderia conceber inúmeras dualidades,
Mas, em nome de um novo rosto,
Diante do oceano oculto de veleidades,
No procurar um dizer, assim posto:

Às portas do pranto, frente ao vazio
Do passo vacilante, não há seguro norte
E a fé talvez abjeta, confirme a má sorte
Produzindo da escrita o negro estio...

Galgar a estrada da poesia é tortura repetida,
Porém, mesmo com o coração cansado,
Versos sempre afloram de uma vida dolorida.

Com a magia de uma memória esquecida
Urge-se contradizer, usando o inventado,
A incerteza de uma trilha reprovada.

Bruno Borin

domingo, 1 de fevereiro de 2015

O dom da perda


Penso em todas as coisas que perco
E que jamais caberão em um soneto...
Que sei sobre a vida, a não ser o passar,
Onde os segundos, minutos estão a escoar?

Quadras e quadras distantes, a me levar,
Copos e copos a degustar, incoerentes,
Fazem do despir e da exposição um ente
Tão presente quanto o verso a rabiscar

Onde quero transitar? Por pontes invisíveis
Ao palpável desatino? Ou de mãos dadas
Ao infinito desconhecido? Ambas tão atadas
A uma coleção de tramas mágicas e intransponíveis!

Em um verão como esse, brancas são estas escolhas;
Fosfóreas luzes a bramir em uma noite sem estrelas.
Ponto-cruz, creio que seja o meu, e mesmo à desfolhas
Sigo derramando o bordado de um dia sem parcelas,

Desejando algo que tramitasse entre meu querer
E meu sentir, envolto em uma luz que o escurece,
Mas apenas transito entre pontes que esmorecem
Mesmo entre luzes, os artifícios não pavimentam o ser.

As silhuetas primaveris se esvanecem perante 
O banquete das vidas que me comemoram
E as inspirações que sempre férteis, se afloram 
Dançam no vazio do sentimento errante.

A lição das flores é bem clara, suas fragrâncias
São o presente de uma vida bem vivida.
Com o coração quebrado, não tenho saída,
A não ser semear na palavra, minhas infâncias...

Bruno Borin