segunda-feira, 30 de setembro de 2013

Projeção


Olhai sem convicções, sem surpresas, para a Musa Ciborgue,
Presa nas horas que fazem-se canoras, no pranto que escorre
Tesourando insensatamente o fervor de seus panoramas
Onde estão projetados seus tormentos em epigramas  

Poetisa nua das pinturas, entendo teus languescentes 
E venais pecados, teus esqueléticos sonhos e desejos
E vejo que, no súbito estertor de tua imaginação, há potentosos ensejos
À inspiração dos santos sem altar, dos corais triunfais e efervescentes

Do sangue profuso das maldições que nos adulam a porfiar o sentir,
Sim, minha Vênus Ciborgue, as nuvens flageladas que nos cercam,
As imprecações de mil estrelas que nos fogem das mãos, nos cegam
Enquanto as musas cantam a melancólica melodia, que, ao ternamente nos pungir,

Nos faz incrivelmente mais humanos, mesmo sendo meros puppets nas mãos do real
Com longos galhos langorosos, como os Pinheiros de Apollinaire,
A derivar sob o vento das artes, sonho acordado nos bulevares,
Imprevisível como o ressonar de acordes inéditos! Eia vossa sina astral!

Eis aí o espetáculo, estarás para sempre com a coluna partida e metalizada
Sempre com as artérias do coração, por amor, hemorrágicas 
Sempiternamente Projetada, tétricamente materializada
Numa Esfinge de eternidades devoradas!

By: Bruno

domingo, 22 de setembro de 2013

A vida em 2-D

No protoplasma estático da celulose,
No fóton irradioativo da tela
Vivo mil vidas e não dou pela falta da minha,
Leio no reflexo que não me reflete
Mais verdades do que eu poderia auferir
Sobre a físico-química das coisas que existem
E que pra mim não existem, pois não as sinto táctilmente
E porque não as vejo percebo que mentem, metendo-me
Nas realidades disfuncionais dos caminhos tridimensionais de ser bípede.
Sujeito e predicado são para mim a verdade por trás do objeto oblíquo
Das coisas que caracterizamos com palavras
Só para poder escrevê-las sem a culpa de não-nomeá-las
Sem a febril intensão de se ter febre ou resfriado
causado pela poeira das coisas inominadas ou esquecidas
Que na verdade, não nos guarda rancor por esquecê-las ou não nomina-las.

E quanto ao teorema do absurdo que jaz em todo funcionamento motorizado?
Foi uma tentativa tão abstrata assim de fazer do homem o paradigma
Para a poesia suprema, soberba do ato de existir sem se fazer nada?
E quanto ao lamentos dos Deuses que deixam de impetrar decisões fatalistas
Porque os trocamos por botões de acender luz e desligar coisas?
Há na alma ainda uma alameda com candeeiros prontos para acender e apagar
Conforme a música da vida que nos ressona desde a ponta dos pés aos ossículos auriculares?

Eu... Como sei que eu sou eu?
Preso nas configurações desconexas do sentir?
Liberto na vida por amarras invisíveis
E desfiado de mim mesmo, por mim mesmo todas as vezes
Em que não peço permissão às palavras e elas me invadem
Querendo ser escritas, seja no papel ou numa tela
O que importa é o caminho que interpela
A maneira não importa, nunca importou,
Posto que a vida é um imenso refrator 2-D
E o ciclo das emoções é continuo e avesso
Aos dentes de Chronos que nos devora lentamente
E sem qualquer tempero, sem qualquer cerimônia
De garfo e faca e sem guardanapo!
Sem guardanapo! Ele não tem a mínima vergonha
De se lambuzar do sangue do nosso tédio,
Da seiva da nossa alma, da água azeda em nossos corpos!
E a cada garfada, eu acabo percebendo que continuo sendo eu
Sem ser realmente eu ou outro. Ou sendo eu no outro, fatiados
Numa só salada de eus e de outros!

E mais uma vez chamo meus olhos a mim
A corruptela glaucômica da vida tenta sempre
Mas não desvia meus olhares de mim mesmo,
Pois há neles o ardor do mundo, então a diferença é mínima
E então clamo a vida que me ensurdece a alma
E que se refugia nos papéis que se espalham
Se mostrando mais viva nas telas do que na vida vivida
Mas todas estas vidas, épocas e valores
São inspirações mortais, são a arte que procuramos criar
E que no fim não pode ser criada, pois ela está aí!
Em profícuo estupor, incessante! Eia a civilização
Eia a todas as civilizações e sua mania de perfeição!
Os prédios em sua impávida forma denigrem-se a si mesmos
Ficando cada vez mais modernos e nos tornando verticalmente mentirosos
Enquanto as pirâmides, coliseus e todas as outras formas geométricas
Nos invadem em forma de passado, convidando, instruindo,
Modificando a falsa noção de todas as realidades
Que pensamos e teimamos tanto serem verdadeiras
Coitado do papel... Aguenta cada falácia
Mas a tela, ah a tela, essa é mestra, nos domestica cada vez melhor!
E gostamos, eis vosso ópio, garotada!
Gostamos da representação de nós mesmos,
Gostamos de não ser nós, gostamos, gostamos, gostamos
Afinal quem quer ser a si mesmo e não saber o que se é?
A tela nos mostra tudo! Tudo mesmo, basta apertar o canal, vai vai, aperta logo!
Mas o papel... Só o papel nos compreende como somos!
Eia!

By: Bruno

sexta-feira, 20 de setembro de 2013

Refração


Durante à noite, sob os sóis que me inundavam a face
Vi meu rosto no espelho de meu espírito,
Estático como o voo sem rito,
Dos pássaros urbanos em seu predestinado enlace.

Toda vez que me perco no montante de minhas cores
Eu penso em ti e meu convívio com as flâmulas é afastado
Como se não fosse mais à minh'alma, abastado,
O fogo que martelava em minhas pupilas, o ardor das dores

De um mundo quiméricamente melodioso, e que me configurava
A ponto de amalgamar o reino avulso da corrosão... 
Que sou eu senão linguagem? As vogais ébrias, serpenteavam; 
O que eu sabia ser, impetrou assim, sua arguição!

O sonho em que vivo hoje deveras, é a realidade
E não uma eternidade premeditada por degraus ilusionais,
Contingentes das profanidades fantásticas e sazonais
As quais me prendia sem me importar com a materialidade

Da minha vida, máquina cosmogônica de sensações
Relativas à ti, amorosamente conectadas,
Saborosamente puras, como camélias desabrochadas,
E não sol da noite, vasto em adorações.

By: Bruno

quarta-feira, 18 de setembro de 2013

Cântico de saudade

Ao som da flauta 
As poucas folhas latejam,
Como meu coração
A tua ausência.

A chuva veio juntar-se à minha saudade
Gotejando um cântigo breve
Sob o asfalto despreocupado com os carros.

Me distraio com o susurro 
Das tuas lembranças doces,
Assim passo os dias 
Até ver-te novamente.

By: Bruno

No pêndulo de Foucault


Na forma pendular do movimento
Te contemplo, com toda liberdade
De oscilação que meus batimentos
Permitem; dominados pela tua suavidade.

Limpo do delírio, me deleito nos meigos traços
Dos fios do destino, que a ti me uniram
E sorvo o perfume astral dos lírios que floriram
Em minha vida acolhida na ventura celeste dos teus braços.

Descobri na bruma um novo aroma, na lua novo horizonte
Nas folhas e no concreto nova cor de alegrias aladas
Atrativas, altivas, volúpicamente adensadas,
Convergindo num sentimento radiante, a fonte

De leves canções à libações flamulares
Fulgindo em nossas almas e corpos
Em consonantes iluminuras singulares
Que a tudo vertem em um incensório torpor! 

By: Bruno

quarta-feira, 11 de setembro de 2013

Brevidade

no verso breve
há de se dizer tudo
rápido como a lebre

no tempo, tudo é breve
mas não só feito
de coisas leves

todas as horas, são breves
para não nos deixar esquecer
que tudo se subscreve

ao agora que manuscreve
apaga e reescreve
nossa vida e nossa morte

ao acaso que nos transcreve
todo verso é branco
como a neve

mas com algo que o eleve,
é terminado, como se quisesse
recuperar o semibreve

sentimento que nos devora
e que nos eternece
sem nenhuma demora

contra o tempo, não há greve
que o opõe e que o releve
ele vai e nós vamos e assim tudo esvai

natural ordem que descreve
como a vida sempre escorregando esteve
nas mãos do eterno transitório.

By: Bruno

segunda-feira, 2 de setembro de 2013

Felicidade

I

Feliz foi a madrugada,
Cingida pela ternura de nossos corpos enlaçados.
A brancura que sustentava estes instantes guardados
Sintoniza em minh'alma, a melodia da vida poisada

Em teus leves olhos fulgidos de sentimentos,
Onde encontrei um horizonte para descansar
Da incerteza que me negava o firmamento
E que hoje eu posso certamente confrontar!

II

Feliz foi a manhã,
O inverno foi ali dividido
Entre o sigilo de um novo amor
E, de um novo começo, o sabor
Das mãos vorazes e o desejo acolhido.

Arrisquei a inventar a realidade
Ao invés de sofrer a revelia
Dos sonhos impregnados de ingenuidade
E ouvi do silêncio uma perfeita eufonia!

III

Feliz fui eu,
Que queimei as residuais brasas
E renovei minhas folhagens
Nas baças paisagens
Que não são miragens
Mas sim amor.

By: Bruno